“Estão todos bem” (Everybody's Fine)

“Estão todos bem” (Everybody's Fine)

Giuseppe Tornatore rodou esse tema tantos anos atrás. Dá pra fazer essa equivalência. Tema. “Desafinado” é um tema, musical, Grapelli e Baden Powell gravaram magistralmente, Manhatan Transfer também fez a sua versão, sem contar os inumeráveis talentos pátrios que também se aventuraram, para prejuízo de ninguém e lucro – moral e monetário devido ao Autor Brasileiro de Almeida Jobim.

Ora, em se tratando de um tema, Kirk Jones dirigiu o tema de Tornatore com a delicadeza que a natureza lhe deu.

Produção ítalo-americana de 2009 e com a temerosa tarja de comédia, “Everybody's Fine” tem estampado na camiseta dois avisos importantes:

1. Não faço parte da safra tenebrosa de “filmes de quinta categoria com astros”, rodados no citado período.

2. Não sou uma comédia.

Robert De Niro, Drew Barrymore, Kate Beckinsale, Sam Rockwell e outros e outras participam ativamente da aventura interior de um pai em busca dos filhos.

Essa aventura é comedidamente lírica, o filme flana, sua melancolia não pesa, pelo contrário, enfuna as cenas com o vento de quem narra histórias efetuando pequenas pausas.

Em dado instante, De Niro sofre um contratempo que lhe rouba o fôlego. Ele liga para casa. Quem atende é a secretária eletrônica com a voz da mulher. Isso não deve ser encarado somente como um ato falho da parte dele, considerando que ela está morta há 8 meses. É que, naquele instante, a necessidade “daquela” voz amiga era imperiosa.

O roteiro de Massimo De Rita espelha a segurança do autor, pois a viuvez de De Niro e o caráter de eminência parda de sua falecida esposa, ou, se preferir, de fio sustentador da família, não é bombardeado para quem assiste, a cada 5 minutos.

São pequenas colocações muitíssimo bem colocadas que destacam a personagem, cujo rosto só aparece de relance, num porta retrato.

De Rita, dentre tantos válidos esquemas, põe no roteiro aquele efeito impulso e menos de 10 minutos de filme são suficientes para virem à tona os motivos do viúvo e sua viagem pela América. De ônibus e trem, têm inicio as reflexões da jornada.

De Niro passou mais de 30 anos encapando fios de cabos telefônicos para custear os quatro filhos, sua esposa já está noutro planeta e sua memória só enxerga as vozes e as fisionomias de quatro crianças - as coisas que o coração registra na essência são difíceis, quase impossíveis de esquecer.

Duas meninas, dois meninos. Um deles fará sua parte na trama como um dado a ser procurado, os outros três vão surgindo, cada qual com sua versão face o tempo que passa, muito mais rápido e ardiloso do que os famigerados 24 quadros por segundo.

Drew, a filha que ele supunha bailarina e mora em Las Vegas, na verdade dança com a alcunha de dançarina. Sam Rockwell, que ele supunha maestro, toca bumbo e confessa ao pai estar muito feliz com a empreita. Kate Beckinsale, cujo matrimônio ruiu, lhe deu um neto mordaz. Ela tenta, junto com os outros, localizar o quarto irmão.

Esse é o quarto filme de Kirk Jones (“Nanny McPhee - A Babá Encantada”, “A Fortuna de Ned”), a trilha de Dario Marianelli é composta de canções que funcionam como molduras, não há como negar que, dependendo da jornada, em cada escala haverá uma música, mesmo que na hora não se perceba. Paul MacCartney foi convidado para assinar a canção final, ele aceitou, e só essa história já vale outra resenha.

De Niro, impecável num papel de falas curtas, olhares perdidos e o gesticular visceral de quem lida com várias realidades – as crianças, o ideal construído, a verdade, e, por último, a saudade. Inda que nem sempre seja assim, o desejo de estar próximo fala mais alto do que qualquer ideal.

“Everybody's...” passa ao largo da comédia, do drama, do papo cabeça e do morno trivial. Faz, isso sim, um caminho a um só tempo ágil e meticuloso acerca desses encontros de toda uma vida em família, suas ausências e conseqüências e primeiramente, suas intenções.

O roteiro de De Rita reserva um brinde final, o efeito marejo. Em dado momento, a junção de determinada fala em determinada circunstância transmite ao espectador marejo nos olhos e um nó na garganta – é a arte nos lembrando do que somos feitos.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 28/05/2010
Reeditado em 06/11/2012
Código do texto: T2285623
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