“O Livro de Eli ” (The Book of Eli)

“O Livro de Eli ” (The Book of Eli)

O mundo acabou (ufa...) e restaram Denzel e sua garrucha.

A proposta estética, com um giro no fotômetro e outro giro no computer, plasma um visual Mad Max Sépia. Esclarecendo para os coleguinhas nascidos há pouco, Mad Max não é um artigo emborrachado para adeptos do skate. Trata-se de uma proposta apocalíptico-australiana rodada em bitola 35 mm, no eixo cronológico 1979/1980. É que demorava um tempo para os filmes chegarem aqui.

Voltando, o mundo acabou e Denzel, com a garrucha, um I-pod e um facão, se defrontam passo a passo com o que restou – uma imensa favela sépia, infestada de salteadores.

Aos 11 minutos, boa sacada da direção mostrando Denzel contra os mal intencionados, tudo no contraste, sob um viaduto. Os temas não mudam, mas moderniza-se a linguagem.

Críticos gabaritados conferem ao “The Book...” um jeito cult de ser. Dá pra considerar. Uma coisa, entretanto, pode-se garantir – você nunca ouviu “How Can You Make A Broken Heart” dessa forma e, definitivamente, essa canção é cult.

Tudo sépia, doravante o que existe é uma descomunal penúria e Denzel Washington como o sodão da temporada. Um dos papéis que ele faz com perfeição ou quase. Foi o sodão da esquerda no imbatível “Dia de Treinamento” e o vingador tarja preta no “Chamas da Vingança”. O mundo ainda não havia acabado...

Tudo sépia, com ferro retorcido, carros retorcidos, viadutos retorcidos... Outra coisa – queimaram todos os livros. Eis um dado sintomático e elementar - o mundo só poderia se transformar na lamentável configuração proposta graças a ausência de livros.

Gary Oldman, e não seria justo chamá-lo de o eterno vilão, mas quando uma coisa cola em roliúde eles copiam e colam, mecanicamente, Gary Oldman perfaz o velho gangster que procura um certo livro. Na outra ponta dos interesses, Denzel perfaz o guardião do livro.

Allen Hughes e Albert Hughes - também conhecidos por The Hughes brothers - dirigem e, vale saber, eles tem uma história muito bacana no meio cinematográfico, que se inicia com uma premiação em Cannes, em 1993.

Voltando, na realidade do guardião tudo vigora na base de trocas e do racionamento de migalhas do que sobrou do ex-mundo, aquele, que tinha indústrias e livros.

Denzel passa uma noite sob os auspícios do gangster. Lá pelas tantas uma mulher bate à sua porta. Seu nome é Solara (Mila Kunis) e tem ensejo a seguinte conversa, com meias parábolas, ou se preferir, parábolas com meias verdades. Ela indaga como eram as coisas, antes. Ele responde: tínhamos mais do que precisávamos e jogávamos fora coisas pelas quais hoje matamos.

Logo após segue o primeiro tiroteio.

Quando o repórter bateu à porta do lendário Wyatt Earp, em Los Angeles, pouco antes de sua morte (1929), constatou o que já se falava há mais de meio século no velho oeste – Earp nunca levou um tiro em toda sua vida. O roteiro magnânimo de Gary Whitta faz o mesmo por Denzel. Até certo ponto.

Se “O Livro...” pode ser encarado como cult, um de seus lados não fica longe do western. Aliás, fica colado. Um western bíblico, onde o vilão trata a bíblia como se fosse um livro de feitiços. Oldman o deseja porque, em sua opinião, o livro contem as palavras que se forem ditas do jeito certo, ele poderá controlar as mentes e os corações dos fracos.

Honestamente... Já se soube de ironias mais rarefeitas.

Denzel e Solara acabam formando uma dupla de desventurados em meio aos mais desventurados – eles pelo menos tem um propósito – levar o livro para o oeste, ela não sabe ler, mas em 5 segundos sacou que existe algo melhor, algo mais confiável que não a lei do cão. Na verdade, o propósito pertence ao guardião, que lê o livro diariamente há 30 anos, possui educação e senso de justiça, luta como um faixa preta multidisciplinar, e de quebra recita um salmo para ela. Solara indaga se é de sua autoria. Ele diz que não. E explica que esse livro foi queimado depois da guerra que queimou tudo, porque as pessoas ficaram com raiva. Acharam que o livro deu origem a guerra.

É sempre assim. A culpa repousa eternamente em algo ou em alguma coisa, jamais em nós mesmos. E com isso estamos com 90 minutos de filme. Ainda tem chão. No oeste, há um oásis onde se cultua a cultura, há um foco de recomeço, por assim dizer.

Denzel deve chegar lá, pois esta é a sua missão, e a nossa, acompanhá-lo.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 21/06/2010
Reeditado em 24/10/2012
Código do texto: T2332480
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