“Defendor” (Defendor)

“Defendor” (Defendor)

Com uma das melhores trilhas casadas que já se ouviu (existem trilhas dissociadas, ou desquitadas), um filme que não nega sua origem e proclama: sou antes de mais nada objeto artístico com escassa pretensão, meu negócio é brincar e provocar, arte não é um trem para andar nos trilhos.

Woody Harrelson esbanja dentro de um roteiro esbanjador, o item produção chama atenção pelo caminho inverso da opulência, foi com certeza fruto de bom senso e vontade de catar detalhes.

Woody faz um místico 3 em 1 perfeito. Ele se fantasia de super-herói com uma máscara pintada no rosto, e assim se transforma em um. Quando ele fala fantasiado, outro. E quando está sendo entrevistado pela psiquiatra forense (Sandra Oh), outro.

O super-herói – Defendor – se move com desajeito, mas quando se expressa em palavras desafiando seus opositores, torna-se o Verbo em Ação, e na instituição penal comporta-se como uma criança com distúrbios. De quebra, na hora da fantasia, ele usa uma câmera no capacete, e essa câmera professa, em vídeo caseiro, mais um olhar na obra.

Um vídeo caseiro, um olhar pobre, qualquer plantonista de filosofia dirá que esses segundos do vídeo caseiro são a essência do olhar desta criatura pretensa, bem intencionada e deslocada em todas as dimensões.

Defendor possui veículo, ou melhor, um meio de transporte, possui casa, ou antes, uma habitação, e tais ferramentas refletem seu dono não em termos de logotipia ou design, mas por conta das sacadas da produção.

A inclusão propositada de um programa no rádio relógio do herói demonstra explicitamente que a fina ironia está com os dias contados.

Denuncia o radialista a existência de focos de prostituição de menores na cidade, e que ninguém faz nada. E se ninguém faz nada, porque é que não anunciam isso de uma vez, como ponto de entretenimento para os turistas?

Um dos ouvintes telefona, censurando-o por falar tais coisas no rádio.

Ele expressa noutros termos que sua missão está relacionada a fala.

Defendor pretende combater a causa desses focos e seu primeiro encontro com a polícia é mais uma prova de boas cabeças pensadoras a serviço da sétima.

A primeira surra que ele leva, porque, acredite, se o sujeito aspira sem o ser, ou sem meios para sê-lo, o destino o aguarda, a primeira surra que ele leva é mostrada com os flash-backs da última vez em que viu a mãe, quando ainda era um garotinho. Uma mulher tenta acudi-lo, ele a chama de mãe, ela replica que vai ajudá-lo mas adverte que a ajuda não será caridade, se ele quer chamá-la de mãe não tem problema, desde que pague por isso. Esse é o mundo do Defendor.

Só que não acaba aí. O 3 em 1 perfeito de Woody mostra desdobramentos.

Kat Dennings, no papel da prostituta quase mirim contracena e portanto dialoga com ele. Duas crianças se defendendo do bocado imenso que a vida lhes ofereceu, conversas com conclusões de crianças que se acreditam respectivamente, super-herói e prostituta.

Em 2005 baixou o santo no ator/roteirista canadense Peter Stebbings e ele escreveu o script em uma sentada só. Depois mandou para Hollywood e todo mundo torceu o nariz, alegando a ausência de classificação definida da obra para o grande público. Só funcionamos com código... Essa foi a reação dos estúdios como um todo, inversa da reação dos atores em geral, que queriam porque queriam o papel, embora a infinidade de pedras no caminho mostrou o de sempre: querer não é poder. Atores estão atrelados a agentes, agentes atrelam-se a estúdios, estúdios precisam de distribuidoras. Se as cartas não estiverem marcadas o filme não sai da prateleira. E quando sai, não vai para os cinemas e sim direto para locadoras e camelôs. Só esse caminho em si já se torna alvo de um super-herói para desbravá-lo.

“Defendor” foi lançado em setembro de 2009 no Toronto International Film Festival e a crítica classificou a performance de Woody como a roda propulsora do filme, que teve início em 2007, nos arredores e centro de Toronto e Hamilton, Ontário. Faltou grana, os trabalhos foram interrompidos e em 2008, com a ajuda da Telefilm Canadá, o set volta ao campo, para mais uma pequena interrupção em 2009. Por um mês ou quase.

A grande brincadeira artística do cinema pode e deve se embrenhar no lúdico sem classificação, mas os que estão por trás do pano não estão brincando. Peter Stebbings sabe disso, “Defendor” é um projeto de meia década e celebra sua estréia na direção.

Woody tem um amigo que faz tudo por ele. Durante 80 minutos não se entende por que e fica-se atinando qual o grau de parentesco entre os dois. Aos 80 minutos descobre-se que o grau de parentesco entre eles chama-se gratidão.

E o amigo (Michael Kelly) lhe diz: você é uma pessoa normal que faz coisas extraordinárias.Você não precisa de uma fantasia para fazer coisas extraordinárias. Horas depois, sozinho, Woody decreta entre dentes: I‘am the Defender.

Na sua jornada solitária ele usa bolas de gude, suco de limão (para jogar nos opositores), e vespas vivas dentro de um tacho. São suas armas contra traficantes de pessoas. “Armas de fogo são para covardes”, afirma, em mais um diálogo com a parceira Kat Dennings, igualmente estreante na esfera dos longa-metragens. Ela lhe oferece drogas, ele recusa, ela rouba seus pertences, ele avisa que não se deve pegar coisas dos outros.

Defendor está numa missão: combater o Capitão Indústria. Essa associação de palavras, semelhante a um personagem de HQ, vive nos 3 conscientes do herói, desde a sua infância, e foi ali incutida por motivos outros. Também somos frutos dos primeiros enganos.

O capitão do presente está associado a um policial corrupto (Elias Koteas) e molesta menores fêmeas oriundas da falecida União Soviética. Woody está no seu encalço. Com vespas e bolinhas de gude.

“Defendor” estampa a visceral melodia dos buscadores desajustados, os que não dedilham liras, promovem ditirambos, olham no telescópio ou elaboram teses. São os buscadores que querem, porque tem um bom coração, melhorar a situação dos abusados e indefesos. Ingênuos e depauperados, sacrificam até a última gota, talvez não se iludam, pois como foi exemplarmente dito há dois mil anos, deles será o reino dos céus.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 29/06/2010
Reeditado em 20/10/2012
Código do texto: T2348127
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