“Num Lago Dourado” (On Golden Pond)

“Num Lago Dourado” (On Golden Pond)

E...a velhice pode ser dourada.

Sei, sei, a nossa atualidade neuro linguística pretende tapar buracos chamando favelas de comunidades, mendigos de sem-teto, velhos de idosos, e segue média lista para análise.

Olhe à sua volta. Será preciso mais do que novos termos para efetuar a mudança. E observe que certas coisas não mudam. Muito positiva, a neuro linguística, mas não acaba aí. Seria o começo, se tivéssemos o poder de alterar os estados, somente pela força da palavra e nada mais.

Henry Fonda espana o pó do seu bangalô a beira lago, luz por todos os lados, um recorte de jornal esclarece sua categoria: professor, e seu status atual: aposentado.

Num mundo perfeito, ninguém poderia querer mais. Num mundo imperfeito, uma doce promessa.

Henry Fonda , Katharine Hepburn, Jane Fonda. Fizeram história no tempo e no espaço. A tecnologia se encarregou eternizá-los com propriedade.

Mark Rydell dirige esse drama-light ambientado nos USA de 1981. Rydell é um desses diretores com curta lista de longas e acertos memoráveis. Começou sua toada como ator em meados dos 50 e alcançou certa notoriedade num filme de Robert Altman, no início dos 70. Entretanto, alguns anos antes ele já havia colocado um pé na direção e foi questão de segundos para fincar o outro e dizer: vim para ficar.

Essa turma, Fonda, Hepburn, e outros e outras, vem do mesmo céu de Poitier, Newman, Tracy, etc., interpretam como radículas numa raiz, Jane, filha verídica de Henry, pegou carona e ligação direta com essa geração.

O velho e bom filme americano, planos corretos, diálogos salientes, o drama com brisa campestre e três estatuetas no currículo.

Henry segura o porta retrato, com a imagem dele, mulher e filha meio século atrás e se pergunta: quem são essas pessoas? Hepburn chega afoita carregando gravetos e diz ter encontrado no bosque um casal como eles, de meia idade. Henry retruca: impossível, pessoas não vivem 150 anos.

Esse é o naipe do texto.

Dave Grusin assina a trilha. Em 1978 ele e o mago Joe Pass desembarcaram na Guanabara para encontrar dois outros bambas, Paulinho da Costa e Oscar Castro Neves. Gravaram em 5 dias um trabalho primoroso, todo calcado na obra do hierofante Tom Jobim. Ali, Grusin bota pra quebrar, aqui, ele enfatiza a trilha com açúcar pois a atmosfera outra coisa não pede.

Katharine e Henry passeiam de canoa, colhem morangos, vão às compras numa lancha clássica de casco de madeira e de noite jogam loto ou coisa parecida, talvez você se lembre, há um tabuleiro colorido por onde as peças se movem, com a ajuda de dados.

Vale notar que Henry Fonda está velho e representa um velho. Ao que se saiba não está representando a si mesmo e sim alguns sintomas como a excessiva auto-defesa através da arrogância, um toque de surdez e a mordacidade de priscas eras. Katharine não poderia ser outra exceto a estampa da lepidez, em qualquer idade. Sua aura dispensa comentários. De mentirinha, fazem um casal e tanto, e vale a notícia de que esta foi a primeira e última vez que contracenaram juntos.

Jane anuncia sua chegada através de carta física. Os estabelecidos na meia idade em julho de 2010 hão de se lembrar que correspondências não chegavam através de um monitor.

Jane Fonda chega aos 30 minutos do primeiro tempo. Nessa época, na vida real, ela estava se tornando referência de boa forma.

A filha esperada que veio para o aniversário do pai trouxe consigo o namorado dentista e o filho de 13 anos. Palco armado para o teatro filmado.

Numa tentativa de puxar conversa, o namorado indaga:

- Como você se sente ao completar 80 anos?

- Duas vezes melhor do que ao completar 40 anos – responde o decano.

Mark Rydell é um cineasta com bons ases na manga. Em 91 ele dirigiu “For the Boys”, com Bette Midler e James Cann. Teve, salvo engano, duas indicações, uma pela trilha, assinada por Dave Grusin. Em 72 havia rodado um western memorável chamado “The Cowboys”.

“Num Lago...” é um filme da época de 1980, onde a mulher moderna, Jane Fonda, recebe agulhadas distintas de um pai turrão sob os sorrisos largos da mãe indulgente. Coisas de época são como móveis, tem de se conviver com eles, pelo menos durante o show. O namorado pede licença para dormir no mesmo quarto de Jane, eles beiram os 50 e algumas mesuras faziam parte do rito. Outro dado temporal surge na doentia co-dependência entre pais&filhos, algo que vem machucando muita gente desde primevas gerações e que nos 70 ferramentas várias lançaram vários olhares sobre o assunto.

Os esconderijos da trama do lago estão todos no temperamento de Henry, irascível para com os indefesos, vide a filha e neto postiço. Todos caso, ele é o sol central do filme, os outros astros circulam à sua volta através de pequenos ou grandes diálogos. Na notas da produção é possível saber que Hepburn assistira a peça de Ernest Thompson e ditara aos estúdios que o papel seria de Henry e ninguém mais. Foi último filme do senhor Fonda e ambos levaram a estatueta.

“Num lago...” é quase um livro, você pode não virar as páginas, mas sente algo muito próximo disso. E de quebra ainda ouve vozes e música.

As notas ainda expressam que a cena de reconciliação entre pai e filha afetaram positivamente sua relação na vida real. Das trinta pessoas presentes no set, na hora “H”, todas enxugaram os olhos diante da dupla emoção.

Hepburn acertou em cheio na escolha da peça e eles de fato fizeram um casal e tanto. Na velhice interpretada pelo personagem de Fonda, ocorre a seguinte situação:

- “Sabe por que eu voltei tão depressa? Porque não conseguia me lembrar onde estava a estrada. Vaguei entre árvores desconhecidas, fiquei com medo, voltei correndo para ver o seu rosto. Somente assim me senti seguro. Somente assim pude sentir que ainda sou e.”

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 22/07/2010
Reeditado em 16/10/2012
Código do texto: T2393232
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