Nunca aos Domingos

A história de Nunca aos Domingos foi inspirada em um clássico da mitologia grega - o mito de Pigmaleão: lenda contada pelo poeta romano, Ovídio, na obra Metamorfoses - e depois contada por Bernard Shaw - numa versão mais moderna, que se transformaria num musical para teatro, até ser levado as telas do cinema em My Fair Lady.

O tema nestas três versões sempre é o da idealização da mulher, ou de como quem idealiza acaba apaixonado pelo objeto de sua idealização ( Ilya pergunta no filme: "Você pode fazer de mim uma mulher digna de ser amada? " ).

No mito de Pigmaleão o escultor idealiza a mulher perfeita, faz uma escultura dela, e tão perfeito é o resultado que passa a acreditar ser ela verdadeira, quando coloca na escultura vestido, brinco e colar.

Numa versão moderna do mito de Pigmaleão, anterior a este filme, um educador faz uma aposta com um amigo de que transformará uma florista, feia e desajeitada, numa mulher apreciável, depois de lhe dar cultura.

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Já Nunca aos Domingos ( Never on Sunday ) é um filme de 1960 - escrito e dirigido por Jules Dassin, ex assistente de direção de Alfred Hitchcock - feito especialmente para a atriz grega Melina Mercouri, sua esposa.

História de uma prostituta grega, que trabalha no Porto de Pireu e tem como norma nunca atender os clientes, aos domingos: dia em que descansa e recebe os homens em sua casa, apenas como amigos, quando canta, dança e representa para eles.

No entanto as coisas mudam quando desembarca na região o norte-americano Homero (o próprio Dassin): um americano professor de filosofia, homem de mentalidade puritana, que tenta sublimar seu impulso sexual transferindo seu desejo para os baluartes da cultura ocidental, nascidos na Grécia.

A busca da verdade equivaleria para ele ao passaporte para a felicidade, tal como fora o caminho percorrido por Aristóteles, Sócrates e Platão. Porém quando conhece a prostituta Ilia ele decide que deve livra-la da perdição e mostrar-lhe a busca da felicidade através do conhecimento.

A felicidade assim estaria na própria busca da verdade e tentar a salvação da prostituta passaria a ser a sua meta, ao levar cultura erudita até ela: piano, livros, artes plásticas, música, filosofia.

Homero tem Aristóteles, o inventor da Lógica, em alta conta e Ilia não gosta do filósofo, pois este desprezava o valor das mulheres.

Mas ela gosta de teatro grego, das tragédias, embora nas apresentações que faz na sua casa, aos domingos, ela sempre invente um desfecho alternativo para as peças: onde a história termina com todos os personagens felizes e à beira-mar; pois é da natureza de Ilya rejeitar o que lhe parece triste e feio.

Por isso nas tragédias gregas, como Medeia e Édipo, ela prefere assim terminar a história: Medeia era uma santa, nunca matou os seus filhinhos para atingir Jasão. E nada de incesto entre Édipo e Jocasta, pois ele apenas gostava muito da mãe.

Illya reiventava os mitos, para desespero do filósofo americano, que então tenta explicar que Medeia não pode ser boa se matou os próprios filhos para vingar-se do pai deles. Pois Homero quer que Ilya substitua a fantasia pela razão, a imoralidade pelo senso de moralidade. Quer aculturá-la, em nome do bem dela e da Grécia atual, que julga ter perdido parate da sua identidade clássica.

Por isso o americano dedica-se ao projeto de transformá-la, enquanto se torna serviçal do cafetão ‘Sem Rosto’ - que o ajuda, pois acha que Ilya é má influência sobre as outras prostitutas - pois ela não se deixa explorar - por ele e por ninguém - quando o filósofo decai da posição de mestre à posição de empregado do cafetão e começa a meter os pés pelas mãos.

No caso de Ilya, que consente em ser reeducada, para ser uma mulher digna de ser amada, Homero na verdade tentava esconder que tudo o que ele mais queria era ter esta mulher só para ele.

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No início Ilya deixa-se educar pelo americano - para passar a conhecer o sentimento de vergonha - embora goste do tipo de prazer que se dá através do acesso ao conhecimento, como ler um bom livro. Embora com isso perca um pouco da felicidade que experimentava - ao ver o sol brilhando e esquentando a sua pele.

Felicidade que sentia ao comer um pescado fresco. Por que submetia-se ao estrangeiro, se quando cantava a música sobre os marinheiros e o porto de Pireus mostrava-se tão feliz?

Diz a letra desta música;

" Quando no mundo não existir

Ninguém que eu ame

Então toda noite fecharei meus olhos

E ao dormir sonharei com eles

Que são como um colar de pérolas em volta do meu pescoço

Um encanto de boa sorte que eu carrego

E assim, quando a noite cair

Eu encontrarei um completo desconhecido e o seduzirei com a minha canção "

Nunca aos domingos exalta as classes baixas e o instinto coletivo (a independencia de Ilia, que não aceita ter cafetão, serve de exemplo às outras prostitutas, exploradas) e faz a defesa de uma atitude libertária, de uma vida epicurista, no melhor estilo: beber, comer e amar.

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Até o lançamento deste filme conhecia-se pouco da Grécia e seus costumes, em particular sua dança e música.

Melina Mercouri foi exilada entre 1967 e 1974 e voltou ao país para ser eleita para o parlamento em 1977, depois escolhida para Ministra da Cultura em 1981.

A atriz grega depois deste filme tornaria-se símbolo de seu país, perseguida pela ditadura dos militares de lá, sendo que quando tentaram cassar sua cidadania, ela respondeu com esta frase famosa:

''Eu sou grega e vou morrer grega, vocês são fascistas e vão morrer fascistas''.

Cine Astor
Enviado por Cine Astor em 23/07/2010
Reeditado em 07/12/2013
Código do texto: T2394395
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