“Chico Xavier”

“Chico Xavier”

Durante o programa de TV Pinga Fogo, idéia extinta da extinta TV Tupi, um dos inquisidores indaga para Chico: deve ser muito difícil psicografar Aristóteles, Platão, Kant, não é?

A intenção era desacreditar Chico, pois na Terra do Nunca só existe débito e no espectro da intelectualidade, grifes.

Chico respondeu com uma pergunta:

- Já lhe ocorreu que Aristóteles, Platão, Kant estavam psicografando?

A platéia exulta. As mentes estavam abertas na alvorada dos 70.

Daniel Filho produz e dirige.

Tony Ramos, verdadeiro maioral dessa geração de atores, quem viu ele fazendo as vezes femininas no “Se eu fosse você” concluiu que aquela brincadeirinha é coisa para profissional sério, Tony esbanja CV, em “Chico” ele coordena a tecnologia, leia-se “ilha”, suíte, etc., do Pinga Fogo e é casado com a Torloni. Alguém muito caro ao casal foi para o mundo que só Chico acessa.

James Van Praah, para citarmos um único exemplo em meio a vários, assim como Xavier, padeceu quando criança em virtude de seus dotes mediúnicos e a verdade é uma só, se já nos atrapalhamos, em qualquer idade, para entender a realidade tangível,

deve ser complicado participar de outra par e par.

Chico nasceu em Pedro Leopoldo, 1910, interior de Minas, e desde criança miúda servia de ponte entre os portais. Basta contextualizar, para sentir o tamanho da sua agrura.

Por literatura comparada, pode-se expressar um sem número de divagações, nenhuma delas pejorativa, mas sim confirmativas, desse manancial de expressão e expressão do Divino, nascido Cândido e alcunhado Chico. Tudo muito bonitinho no papel, atingindo maior repercussão através da ferramenta cinema, mas vai carregar esse fardo sombreado pela mentalidade quinhentista seja em MG, SP ou Rio. Do surgimento de seu primeiro livro, “Parnaso do Além Túmulo”, até o programa de TV, o protagonista foi tripudiado de tudo que é lado.

Três atores fazem o Chico:

1918-1922 – Matheus Costa

1931-1959 – Ângelo Antonio

1969-1975 – Nelson Xavier

O ator que fez o Chico do meio, Ângelo Antonio, dramatiza sem nódoa o moderno santo brasileiro.

Chico perde a mãe e ganha uma madrinha que usa um garfo para educá-lo. Na dualidade da existência em Minas ele consegue ser guardado pela Antonelli, cutucado com afeto pelo padre Pedro Paulo Rangel e cutucado sem afeto pelo outro padre Cássio Gabus Mendes.

O filme começa e termina no Pinga Fogo, entremeado pelos fatos marcantes da vida do protagonista, na infância e demais estágios da maioridade.

Daniel Filho conhece o samba de cor, as cenas que sugerem Pedro Leopoldo foram rodadas na benfazeja Tiradentes, um local cuja “assinatura de marca”, no ótimo sentido, poderia ser, “quem lá esteve jamais esquece”. O roteiro, baseado em livro de Marcos Souto, não traz ranço de nenhuma espécie, o filme abre com uma justa declaração e do começo ao fim executa o justo caminho do meio.

Se quando criança o médium conversava com desencarnados, ao atingir a maioridade a História revela o Chico revelando a que veio, somado ao fato que aquilo que o cerca atinge os que estão próximos. Noutras palavras, vide a cena do prostíbulo.

Uma coisa é o filme, outra o personagem.

Ao passo que o primeiro funciona, no segundo confirma-se o nosso Brasil brasileiro celeiro de expoentes nas mais diversas áreas, expoentes mesmo e não sofismas. O expoente em questão é um estudante da Luz dos mais adiantados, e como reza sua cartilha, seus pólos convergem apenas aos chacras acima da linha do plexo solar.

Egberto Gismonti assina a trilha. Vai ser exponte assim no décimo céu.

Quem já teve a oportunidade de ler a autobiografia de Paramahansa Yogananda constatou intercessões mil, desde seus anos de menino até o próprio passamento. A vida de Chico, além dos 412 livros psicografados, amealha lances inigualáveis, o roteiro destaca com efeito as “dedicatórias” para Jean Mazon e David Nasser.

Emmanuel, o guia e instrutor de Xavier, mostra que o Plano jamais – sob hipótese alguma – brinca em serviço. Seus servidores aparecem para nos explicar o básico, cuja ênfase está longe de cumprir seu intento: o papo por aqui só funcionará com amor, serviço incondicional deixará de ser uma opção e a morte não passa de uma ilusão.

Pode reparar que já nos disseram isso antes.

Essa edição do Pinga Fogo foi memorável. Julho de 1971, 90% dos televisores ligados, Tony Ramos recebe ordens expressas para aplicar a Lei do Chacrinha: só acaba quando terminar. Com recorde de audiência e três horas de duração, nessa noite Xavier saiu de Minas para o Brasil.

Interessante ver o médium e a platéia em uníssono rezando o Pai Nosso, e depois ele afirmando que ao seu lado estava Emmanuel, vivido pelo ator André Dias.

Outros médiuns célebres demorariam um par de décadas para realizar tal performance, mais ou menos à altura.

Grande elenco faz jus ao aquilatamento da obra, de Paulo Goulart à Sabatella, faces de maior ou menor destaque surgem no empenho (conquistado) de um filme light, posto que irradia o mote único do protagonista: vim ao mundo para ajudar, e não para possuir. O autor de tão vasta obra não reivindicou direito autoral por nenhum dos livros.

Chico viveu 92 anos. Durante muito tempo levou agulhadas, as que se espera e as inéditas, não se deixou abater e teve a seu lado, de ponta a ponta, a mão dos pobres, que ele ajudava sem pestanejar.

E dizia: quando se ajuda quem precisa, o céu inteiro agradece.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 02/08/2010
Reeditado em 10/10/2012
Código do texto: T2414191
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