Forrest Gump é o maior herói não reconhecido do cinema americano

Lembrando o grande clássico dos anos 90, que fez

multidões rirem e chorarem ao mesmo tempo

Porque será que o idiota Forrest Gump é um personagem que nos comove tanto? Será que, no fundo, todos nos sentimos uns grandes idiotas e automaticamente nos identificamos com ele? Será que, secretamente, sentimos inveja dele por sua enorme vida, tendo participado ativamente de momentos historicamente marcantes, de situações intensas e emocionantes, de ações que o transformaram em celebridade nacional, ao contrário de nossa pequena vida de insignificâncias? Será que Forrest Gump tipifica um genuíno herói? Afinal, ele carrega algumas características de herói: é muito honesto, é muito forte, tem seu ponto vulnerável (no caso dele, o baixíssimo QI – que, como vemos no filme, não chega a atrapalhá-lo), é muitas vezes incompreendido, é perseguido por alguns, é amado por muitos, tem um histórico de transposição de obstáculos, é corajoso, e tem uma bela e indiferente mocinha pra defender. Como ele sofre pela indiferente mocinha... E se herói sempre vence no final, Forrest é, por fim, um vitorioso. Na verdade invejamos os heróis: sempre foi assim, desde a antiguidade. E poucas coisas nos tocam mais fundo a alma quanto a inveja. A inveja comove, emociona. Eu confesso que sinto inveja de Forrest Gump toda vez que vejo “seu” filme. E me emociono bastante, mesmo depois de já ter assistido sua história mais ou menos 10 vezes.

Forrest Gump é, provavelmente, um dos mais injustiçados personagens do cinema. Acho que ele deveria gozar de um prestigio muito maior. Para mim ele é um verdadeiro herói do cinema americano. Não menos que o Batman, um cara sádico e vingativo que não vale nada. E o que dizer de Forrest Gump – O Contador de Histórias, o filme de 1994, dirigido pelo revolucionário Robert Zemeckis? É um filme pouco lembrado, se levarmos em conta sua grandiosidade. Há muito cult fraquinho com mais status. Sentimental e apelativo? Bobagem. Forrest Gump – O Contador de Histórias é arrebatador. Grande música. Excepcional roteiro. Histórica atuação do ator principal. Irrepreensível direção. Um filme pra se ver muitas vezes.

Pra quem acusa o filme de sentimentalismo barato, a música composta por Alan Silvestri é um prato cheio. Ela é uma das mais usadas para fazer pessoas chorarem, e, não raro, é usada como fundo em programas de televisão que mostrem alguma história triste ou de superação. A Forrest Gump Suite – composição a que me refiro – é, contudo, uma obra-prima da música erudita contemporânea e integra, como uma cereja em cima de um bolo, a riquíssima trilha sonora do filme, que faz na verdade uma cuidadosa compilação da história da música pop dos Estados Unidos nas três décadas que sucederiam a aparição de Elvis Presley. A trilha tem de tudo: Joan Baez, Creedence Clearwater Revival, Aretha Franklin, The Beach Boys, Bob Dylan, Buffalo Springfield, The mamas & The Papas, Simon & Garfunkel, The Doors, The Byrds, Jefferson Airplane, Jimi Hendrix (este, infelizmente, ausente no CD, por prováveis questões de direito autoral – o que foi uma pena), The Supremes, Scott McKenzie, B. J. Thomas, Bob Seger, The Doobie Brothers, Willie Nelson, além do próprio Elvis, entre outros. Não seria de todo absurdo pensar Forrest Gump como um musical. Boa parte do espólio dos pioneiros da pop music está ali no filme a emocionar qualquer pessoa que ame música.

O roteiro assinado por Eric Roth, adaptado do romance de Winston Groom, foi chamado na época do lançamento de colcha de retalhos, ou coisa parecida, por alguns poucos críticos idiotas. Pois é. O roteiro que apresenta a história do simpático idiota do Alabama foi, apesar das “ressalvas”, premiado com um Oscar, dos seis que o filme recebeu: incluindo melhor filme e melhor ator para Tom Hanks, no grande papel de sua vida. Não que eu ache que a Academia seja uma instituição impecável – muito pelo contrário. Mas não é admissível, à luz da razão, colocar defeito num roteiro que consegue cobrir mais de trinta anos da vida de um personagem, encadeando-a aos principais eventos da história contemporânea de seu país, em 146 minutos de filme, que passam num piscar de olhos – o filme é bem mais longo do que normalmente são convencionalmente as comédias. O Oscar acertou em cheio.

Na melhor tradição dos palhaços que fazem chorar, Tom Hanks arranca lágrimas o tempo todo. Talvez o próprio Chaplin, com o cômico e tocante Carlitos, não tenha conseguido produzir tanta lágrima num único filme. Hanks com seu Forrest poderia ter funcionado como um tipo qualquer de palhaço. De fato ele está muito, muito engraçado em quase todo o filme. Entre diversos momentos engraçados, vele citar as cenas em que Forrest aparece ao lado de celebridades, como os presidentes norte-americanos, ou numa entrevista de TV ao lado de John Lennon, numa bela – ainda que aparentemente simples – intervenção de efeitos especiais da Industrial Light & Magic. Tom Hanks impressiona com sua façanha de – com apoio no criativo roteiro e na excepcional direção – fazer com que o riso e o choro dos espectadores andem de mãos dadas durante praticamente todas as duas horas e meia da película. Tudo o que o comediante Hanks precisava, depois de boas atuações nos anos 80, era de um papel como este para obter sua, de certa forma precoce, consagração como ator, recebendo seu segundo Oscar, e de forma consecutiva – no ano anterior fora premiado por sua surpreendente atuação dramática em Filadelfia. Entretanto, com Gump o ator é reconhecido por aquilo que fez melhor em toda a fase inicial de sua carreira: platéias sorrirem. E desta vez, com o requinte da lágrima. Podemos dizer que Forrest Gump – O Contador de Histórias, é, assim, uma comédia pra gente chorar. Se o diretor Zemeckis buscou o “choro fácil” ele conseguiu. E duvido que isso seja algo tão fácil como dizem alguns. Seria também uma enorme injustiça reduzir ao adjetivo “sentimental” um filme tão rico e belo.

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