“Tootsie” (Tootsie)

“Tootsie” (Tootsie)

 

 

O que corre hoje para aqueles razoavelmente preparados para a Verdade é que quem está, por dizer assim, matando o cinema, atende pelo nome de seriado. Que na América (com uma desprezível imprecisão), já foi Soap, Sitcom e ultimamente vem embalado com o nome do conglomerado, tipo Warner séries, não sei o que séries, etc. séries.

 

Pode ser que o seriado ameace o cinema de festim e o enlatado lustroso, mas, atente, algumas coisas continuam não fazendo prisioneiros. Uma delas chama-se performance. Neste caso especifico ela tem um sobrenome: Dustin Hoffman.

 

Em 1982 Dustin continuava firme no seu propósito de uma reinvenção por filme, embora a Academia, em 83, tenha desconsiderado essa atuação em favor do Oscar de melhor atriz coadjuvante para Jessica Lange. Todos caso, favor ponderar a cifra de 9 indicações para “Tootsie”.

 

As considerações sobre “Tootsie”, querendo dizer isso mesmo e não curiosidades, tipo Dustin se barbeava 4 vezes ao dia, ou o próprio nome do filme, sugestão dele, pois sua mãe o chamava assim quando criança, ou de que este é o primeiro filme da Geena Davis, enfim, curiosidades à parte, as considerações são de ordem exclusivamente antropológica, sócio-culturais, ou antes, sociológicas. Basta assistir antenando a sua mente para os parâmetros da época e compará-los com os de hoje.

 

Em algum momento na linha do tempo esse filme foi eleito o número 2 entre as 100 melhores comédias feitas até então. Começa por aí...

 

Dustin faz o ator desempregado Michael Dorsey e o que ele leva a sério o ofício de ser um ator – o quanto este deve se empenhar na arte da representação, seja para se fantasiar de tomate na confecção de um comercial de TV, ou para fingir a morte de um dramaturgo numa peça de segunda categoria, pouco importa, o Dorsey de Dustin vive pilhado no 220, lavando pratos e perdendo empregos em nome da busca pela excelência.

 

Sua casa, seus amigos e amigas e a NY de seu tempo, sem dúvida, inspiraram e muito o “Friends” dos 90. No mais, entre as agruras de uma vida à mingua e de constar na lista negra de todas as produtoras da metrópole, o Dorsey de Dustin divide um amplo apartamento com Bill Murray (eis uma curiosidade – todas as falas de Murray foram improvisadas) até que, após infindáveis debates sobre a arte e o engajamento com a arte, ele cria da noite para o dia a curiosa, senão intrépida figura Dorothy Michaels.

 

A Dorothy de Dustin chega no estúdio pronta para ganhar um dos principais papéis de um seriado, por dizer assim, popular.

 

O diretor da série, rosto conhecido para os que estão na segunda etapa dos “enta”, (a primeira é aos quarenta), Dabney Coleman, a descarta com palavras suaves:

 

- Quero um tipo físico especifico, e depois, você não é agressiva o bastante.

 

Dorothy não nasceu para entregar os pontos logo de cara. Ela retruca de bate pronto:

 

- Acho que sei o que vocês querem – brada para todo o estúdio – uma caricatura patética de mulher. Para provar uma tese idiota de que o poder masculiniza a mulher, ou de que mulheres masculinas são feias.

 

Com essa fala ela ganha o emprego.

 

Com outras falas, o amor de Jessica Lange, e de seu pai, Charles Durning. Questões sobre posturas – sexuais ou profissionais, jogariam por terra esse roteiro nos dias de hoje, mas são as alavancas dos acontecimentos na época enfocada.

 

“Tootsie”, aos olhos do presente, retém apenas o pecado da passagem do tempo, mas deve constar na lista dos paliativos alternativos para o horripilante cotidiano dos telejornais noturnos, com explosões, tiroteios, chacinas, malfeitores supra municiados, etc.

 

Quando a realidade parece insuportável, está na hora de chamar a ficção.

 

Sidney Pollack dirige e contracena no papel de sua vida – atrás de uma escrivaninha, dando ordens. Aqui ele faz o agente de Dustin. Ninguém mais indicado do que Pollack para mostrar de relance como sopravam os ventos em 1982 na América onde o presidente (Reagan) discursava em plenário sobre a possível invasão de Ets e uma onda de liberalismo tocava ao menos as costas leste e oeste do país. A mulher americana, uma das pioneiras na conquista de direitos iguais nesse nosso perigoso planetinha, ganhara, de mentirinha, uma voz a mais na sua luta. Mesmo que fosse um homem disfarçado de mulher.

 

 

 

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 26/04/2011
Reeditado em 04/01/2022
Código do texto: T2932325
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