"Vamos precisar de um barco maior!..."

Vi o filme Tubarão ainda pouco e não pude deixar de fazer algumas observações. Embora conheça o filme há muito tempo, desde meu tempo de criança, agora enxerguei nele coisas que não imaginava.

Por exemplo, a maior parte do filme não mostra o tubarão. Só vemos sua barbatana e é o suficiente para sentirmos o terror de sua presença. Essa é uma lição básica do suspense: não entregar o monstrou ou a surpresa de primeira.

Até a metade do filme acompanhamos o delegado Martin Brody (Roy Scheneider) tentando entender a ameaça que significa um tubarão e tentando convencer as pessoas a se precaverem. Contudo, as praias são o atrativo turístico da pequena ilha, interditá-las seria acabar com o ganha-pão dos moradores, por isso o prefeito tenta ignorar a ameaça. Aqui a política interfere no trabalho do protagonista, produzindo mais tragédias.

A partir dessa parte do filme surgem dois personagens importante, o jovem especialista em tubarões Hooper (Richard Dreyfuss) e o velho-lobo do mar Quint (Robert Shaw). Hooper tenta dar uma luz científica sobre o inimigo que Brody está combatendo, enquanto Quint, em troca de dinheiro, se oferece como "exterminador de pragas". Daí em diante temos realmente o embate e o tubarão pouco a pouco vai aparecendo ao ponto que no final temos uma dimensão real do mosntro.

Há um conflito entre Hooper e Quint por conta de suas posições financeiras, afinal um é rico e outro um pescador pobre. A recompensa pelo tubarão é o que pode salvar a vida de Quint, enquanto para Hooper ela é mais uma experiência nova. Se esses homens são tão diferentes pela sua renda e pela sua idade, contudo sua experiência com o mar (e os tubarões) os aproximam - como podemos ver no momento em que os dois se gabam de suas cicatrizes.

Brody, o chefe de polícia que tem medo d'água, é, portanto, o único que não se identifica com o mar. Ele é o peixe fora d'água e as melhores partes do filme são aquelas em que podemos perceber seu medo (como quando ele diz a mitológica frase: "Chefe, vamos precisar de um barco maior!").

A tensão é quebrada algumas vezes por situações cômicas ou de descontração como a conversa entre Quint e Hooper á noite. Mas a tensão precisa continuar, afinal se trata de um suspense. A nossa atenção é despertada justamente por essa luta entre homem e animal. Á cada minuto, ambos se desafiam.

O miolo do filme é essa caça ao monstro, na qual conhecemos nossos personagens á fundo, principalmente Quint. Aqui descobrimos porque ele possui um ódio visceral pelos tubarões - a sua experiência como sobrevivente de um submarino afundado por japoneses da Segunda Guerra. Assim, compará-lo com o Capitão Haab de Moby Dick, romance do escritor Herman Neville, é quase inevitável. Embora Quint não persiga um animal em específico, como Haab fazia com a baleia branca, ele possui a mesma complexidade que o personagem de Neville: sua obsessão o faz tomar atitudes questionáveis, contudo ela é compreensível.

O filme de Steven Spielberg, considerado por muitos como o primeiro blockbuster contemporâneo, é baseado num romance aliás. O livro, de mesmo nome, foi escrito pelo norte-americano Peter Benchley e é possível que ele tenha se inspirado em Neville para fazer um Moby Dick moderno. Mobdy Dick, contudo, usa a caça á baleia branca como um pretexto para refletir sobre o cárater dos homens. Em Tubarão não há essa preocupação. Temos bons personagens e uma boa história, mas a mensagem, contudo, é meio obscura.

Quando foi lançado, muitos pensaram que o filme era um manifesto para se exterminar tubarões e Spielberg teve que enfrentar os protestos de ambientalistas por uma década. Aliás, falemos do personagem central: o tubarão. O boneco usado nas filmagens foi chamado de Bruce, uma homenagem de Spielberg á seu advogado. Para a época, o boneco e as filmagens em pleno mar foram tomadas como avançadas. Ninguém tinha tentado nada do tipo antes, por isso o filme teve um custo milionário.

A história gira em torno do tubarão. Embora ele apareça pouco e as reações humanas a sua presença sejam o grosso da históra. Como dissemos, o objetivo do autor era explorar essa luta entre homem e animal. O oponente, entretanto, não pode ser tão fácil de se vencer, por isso ao tubarão foram dados, além do seu enorme tamanho, uma inteligência um tanto sádica. Assim temos um adversário formidável, uma máquina de matar. O propósito da história é fazer de um tubarão em particular, e não de toda uma espécie como achavam os ambientalistas, um super-vilão, digamos assim. Não acredito que Benchley queria demonizar os tubarões, mas o fato é que muitos telespectadores sairam do cinema pensando que todo tubarão branco era maquiavélico e grotesco como Bruce. Faltou um pouco de esclarecimento aí.

Os tubarões brancos podem atingir sim um tamanho assombroso e possuir uma inteligência sagaz, no entanto a maioria evita os seres humanos. A maioria dos ataques á pessoas ocorrem porque elas são confudidas com peixes. Outros na realidade nem são realmente ataques mortíferos. Os tubarões são curiosos e o único meio de verificarem o que vem a ser uma figura nebulosa no mar é tateando ou dando pequenas mordidas na coisa em questão.

Na África do Sul e Austrália, contudo, muitos ataques fatais tem ocorrido. O que demonstra que eles estão famintos e passam a enxergar os surfistas e mergulhadores como a única fonte de alimentação local. Se estão famintos é porque os cardumes de peixes e os leões marinhos que comiam antes estão sumindo ou migrando e não porque de repente despertaram um instinto assassino como o de Bruce. Em termos de agressividade, os tubarões mais perigosos são os de águas tropicais como o tubarão-tigre, o cabeça-chata e o calha-preta por exemplo.

De qualquer forma, para bem ou para o mal, o sucesso de Tubarão foi enorme o que motivou a criação de uma franquia (que, convenhamos, errou na mão ao exagerar cada vez mais o tamanho do tubarão a cada filme) e filmes parecidos (como a franquia Piranhas ou Alligator). Uma série de filmes tentando emplacar sucesso e que nessa sanha só afundariam a qualidade do cinema com os anos. O que considero em Tubarão como singular é que ele é um filme comercial, mas que não perde um pouco de sua raiz literária. No livro o essencial era a união da caça ao monstro e a reação da cidadezinha. Ou seja, não era só o conflito com o bichão que fazia da história uma boa história, mas também o conflito entre as pessoas. As boas atuações de Scheneider, Dreyfuss e Shaw apenas ressaltaram isso. É quase impossível não se afeiçoar a eles e sentir com eles a emoçar de lutar contra o tubarão.

Resumindo, esse filme continua um clássico do suspense, dos blockbuster e do cinema como um todo.