“Laços de Ternura” (Terms of Endearment)

“Laços de Ternura” (Terms of Endearment)



O grande atributo do “Laços...” está contido nas seguintes palavras: ele nos remete. Mesmo para quem vive com os dois pés no chão, mas que tem uma diminuta fração de seu terceiro olho focada em algo ou alguma coisa diferente de tiros, tatuagens e incivilidade vai murmurar entre dentes: será possível? Ninguém ali resolve seus conflitos, sejam eles relativos a infidelidade conjugal, carências outras, franqueza rude, etc., com uma facada seguida de um B.O. e uma temporada em Bangu Xis.

Os anos 80 trouxeram duas beldades com talento (as sem talento a gente esquece), chamadas Kelly McGillis e Debra Winger.
Debra Winger estrela essa obra com sua voz rouca, seu ar sapeca tingido por profundos olhos azuis e um sorriso maior que a tela.

O filme dirigido por James L. Brooks (“Jerry Maguire”, “Melhor Impossivel” ) faturou 5 estatuetas em 1983 – filme, atriz, ator coadjuvante, diretor e roteiro adaptado.

Shirley MacLaine perde o marido em meados dos 60 e de quebra ganha uma amiga para o resto da vida – sua filha, Debra Winger. Elas moram em Houston, Texas, e quando a menina atinge a adolescência assiste do gramado de sua casa o caminhão de mudança trazer um novo vizinho: o ex-astronauta Jack Nicholson. Com isso meio circo está armado. O resto são favas contadas num sem número de atitudes, algumas com a intenção de quebrar padrões de 1983, outras perenes, outras fantasiosas e feitas para o cinema. Tudo o que almejamos – um pouco de ordem no caos e alguns signos mais fortes que rochedo para sobreviver a barbárie. Nesses termos, “Laços...” esbanja.

Shirley MacLaine mereceu cada milímetro cúbico da sua estatueta de Melhor Atriz pelo papel da mãe carente e ao mesmo tempo durona, ciente de que se esmorecer um pouco o caldo entorna e se não largar a rédea ele também entorna.

Pouco tempo atrás circulou pela net uma anedota sobre a origem de Adão e Eva. Quatro especialistas estão analisando um quadro renascentista do referido casal. O alemão comenta: são alemães, veja os músculos torneados. O francês rebate: são franceses, observe a sensualidade da mulher. O inglês enfatiza: de modo algum, são ingleses, repare na postura ereta, de um e de outro. O brasileiro encerra o debate: são brasileiros, estão nus, tem apenas uma maçã para comer, só pensam em sacanagem e acham que estão no paraíso.

De modo brando essa anedota ilustra a situação dos recém casados Debra Winger e Jeff Daniels. Duas vidas começando e cometendo suas derrapagens dentro dos trilhos, eis a vida na pseudo normalidade, tal como caminhar, primeiro dá-se o movimento com a perna direita e numa fração de segundo entra a esquerda, nesse breve hiato, não raro impensado, pisa-se em falso mais vezes do que se pensa.
Durante a caminhada mãe e filha estão sempre ao telefone, até que novos eventos ocorram para uni-las por breves períodos.

O tempo passa e James L. Brooks dispensa gráficos para ilustrar o andamento. Um belo dia MacLaine bate na porta de Nicholson, que vive inspirado na alta graduação do mundo etílico, e lhe diz:

- Você me convidou para almoçar. Eu aceito.

Nicholson titubeia.

- Quando?

- Há 4 anos atrás – esclarece ela.

Dado instante a comedida Shirley, que pensa para pensar e escolhe cada palavra antes de proferi-la, dará um memorável show de 10 segundos no hospital. Mais uma vez se conclui o tanto que existe dentro do ser humano e como ele vem pra fora através do drama.

O conjunto desta obra não pode se gabar por reunir grandes falas, em nenhum instante, mas a funcionalidade do conjunto não perdeu o brilho ao longo desses quase 30 anos. Assiste-se e ponto. O filme continua a nos remeter a um patamar de intercambio de emoções que merece dois dedos de atenção e não deixa de nos comunicar que a vida como ela é, com um moderado tempero de Hollywood, tornaria um pouco mais dourada qualquer existência desta Terra. Em especial as que se permitirem um laço de ternura.

 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 23/09/2011
Reeditado em 15/09/2021
Código do texto: T3236701
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