O HOMEM QUE AMAVA AS MULHERES

Para os que me conhecem, e pelo próprio título do filme, não haverá surpresa na minha afirmação de que este é um dos maiores clássicos do cinema. Claro que muitos críticos de cinema - veados - váo torcer o nariz para o meu gosto. Váo dizer, por exemplo, que é uma obra de 1977, distante, portanto, do ápice do movimento da “nouvelle vague”, da qual Truffaut foi um dos nomes mais conhecidos. Outros vão dizer que a obra é “machista”, porque o centro da história é a de um homem obcecado pelo universo feminino. Bem, há opinião para tudo, e não posso sair socando o nariz de cada um que arruma uma desculpa para não gostar desta obra-prima em comento. Sim, é uma obra-prima maravilhosa.

A história é simples. Começa com um caixão sendo levado ao cemitério de Paris. Ao lado dele, dezenas de mulheres, de todos os tipos. Então já sabemos do destino de Betrand (interpretação magnífica de Charles Denner), um engenheiro naval, com a idade de aproximadamente quarenta anos, que vive sozinho em uma cidade do interior da França. A sua diferença com os outros homens é o passatempo que cultiva quando não tem mais nada a fazer: apreciar as mulheres. E ele caminha pelas calçadas e as observa fazendo observações sobre como são altas, baixinhas, gordas, magras, que caminham lento ou então são apressadas. Nas próprias palavras do personagem:

“Algumas são tão belas vistas por trás que hesito em ultrapassá-las, temendo ficar decepcionado. Porém, nunca me desaponto. Quando elas não me agradam de frente, me sinto aliviado de certa maneira; pois, infelizmente, não posso ter todas elas.”. A maior parte da história é narrada por uma bela mulher que acaba também tendo um caso com ele, e procura entender o puro fascínio que aquele homem possui pelas mulheres.

Bertrand não fica apenas nas observações e têm vários casos amorosos com as mulheres que vê. Ele arma estratagemas para atrair algumas para seu leito. Nem sempre serão felizes estes encontros, é claro, embora alguns sejam cômicos, como aquele em que contrata uma babá para cuidar do filho que não tem. Mas encontra pelo menos uma louca o suficiente para tentar matar o próprio marido para ficar com ele.

Mas atenção para os tarados de plantão. O filme não mostra nenhuma mulher nua. Todas estão sempre magnificamente vestidas, com saias abaixo do joelho, golas role ou calças jeans. Mais ou menos na metade do filme ele resolve começar a escrever uma história autobiográfica sobre suas aventuras e desventuras com suas amigas. Ainda há a bela e misteriosa voz da telefonista que o acorda todos os dias para ir ao trabalho, que ele galanteia e chama de “Aurora”.

A maioria dos bons críticos de cinema viu em Bertrand um alter-ego do próprio diretor, que também foi roteirista do filme. Em certa altura da história vemos - em preto e branco - a relação de Bertrand com a mãe, afastada e fria, tal como a que Truffaut revelou, em entrevistas, ter sido com a sua. Talvez venha daí a infelicidade do personagem, que procura um mistério nas mulheres que jamais será encontrado. E acabará sendo a causa de sua morte.

O filme é um poema dedicado às mulheres. As cenas em que aparecem homens são raras e sempre cinzentas. Aquelas - mulitas -das mulheres são sempre multicoloridas e alegres, filmadas com esmero pelo mestre da fotografia Nestor Almendros. Há um mistério não solucionado, que é quando ele encontra uma mulher em um aeroporto, com quem pareceu ter um caso tão profundo que ele tenta se esconder inutilmente quando a vê. Nunca saberemos o motivo. Bertrand é Truffault, sou eu, é você. Bertrand representa todos os homens que simplesmente amam todas as mulheres.