RESENHA
 
    O filme precisamos falar sobre Kevin, com a interpretação brilhante de Tilda Swinton, no papel de Eva Katchadourian, mãe de Kevin, que na verdade não quis e não estava preparada para desempenhar a função materna. Melhor que o filme, somente o livro, onde Eva relata  com riqueza de detalhes Eu nunca havia desejado, de maneira tão plena e consciente, nunca ter parido o nosso filho. (…) Mas teria que viver. Eu havia criado minha própria Outra, que, por acaso, era um menino.” (p. 404). E no personagem de pai chamado Franklin,  o ator, (John C. Reylly). Embora as cenas não seguem uma idéia cronológica e mais parece flash de lembranças, no entanto, as dificuldades de relacionamento com o menino, deixadas muito claras, desde o princípio. A difícil adaptação de Eva com  Kevin, possivelmente de uma mãe com depressão, pelas expressões da personagem,  e o esforço do pai, para não enxergar o óbvio.
 
 

Kevin aparece em três estágios de crescimento. Quando bebê era extremamente chorão. Em uma cena muito interessante onde Eva, sai passear com o menino, com  um carrinho de empurrar, e prefere o intenso barulho de máquina trabalhando no asfalto, do que o choro desconcertante de Kevin. Na infância, demonstrava ser uma criança irritante e sádica, quando estava com a mãe, e por mais esforço que Eva fizesse, para interagir com o menino, desde uma situação corriqueira de brincadeira de mãe e filho, a resposta de Kevin era sempre negativa. Com seis a oito anos, possivelmente, o filme retrata Kevin, ainda usando fraldas, e de forma sádica. Em uma idade onde normalmente as crianças já têm controle dos Esfíncteres, vão ao banheiro sozinho e conseguem fazer higienização tranquilamente.  Com o pai, Kevin se comporta exatamente da maneira que Franklin deseja: um filho que acha o máximo tudo o que o pai diz e faz, ou seja, a farsa de uma família
feliz.
 

 
O nascimento de Célia, a filha mais nova, desperta em Kevin, ciúmes, mas não o ciúme de deixar de ser o “bebê” da casa e sim de  Célia ter sido desejada, planejada pela mãe. O que faltou para Kevin?- Será que Kevin não esperava de Franklin uma resposta firme, de imposição, de limite, lei e referencia como pai, em vez de bajulação. E os esforços de Eva não foram suficientes, para atingir o olhar de Kevin, será que se fosse um filho desejado e amado desde a concepção, teria sido diferente  a  formação da sua personalidade. A base psicológica da personalidade da criança é a mãe e o pai, como a metáfora da construção de um prédio, se as bases não forem bem alicerçadas o prédio tende a se desestruturar e cair. Ou seja, a constituição do eu, com o olhar do Outro, o temperamento, o caráter, o meio externo influencia, mas não determina, para os construtos da personalidade que se forma até o final da adolescência, seja ela cronológica ou que se estenda no subjetivo de cada individuo.
 

 
Dois dias antes de completar 16 anos, Kevin disparou contra sete colegas da escola em que estudava, com o “presente” de arco e flechas que o pai lhe dera desde a tenra infância. Com sua revolta, perversão e matanças, Kevin atingiu Eva principalmente, deixando-a mercê, devolvendo-a toda a sua repulsa. Agora, passados dois anos, Kevin vive numa prisão para jovens delinqüentes. A tragédia obriga sua mãe, Eva, rever sua história e as relações com o filho, numa tentativa de compreender o que se passou. Numa dessas visitas Eva, questiona Kevin o porquê da  matança e ele responde que antes ele sabia, no entanto agora não tem tanta certeza.
 

 
 
 
 
 
 
ANÁLISE CRÍTICA
 
O filme na verdade não nos dá respostas concretas ou verdades irrevogáveis. Estimula-nos a pensar as questões familiares, as funções de pais e mães, de desejar ter filhos ou não, do esforço que cada um exerce para manter uma família unida, das fases dos filhos, dos quais os pais não estão preparados, fisicamente, psicológica e socialmente.  O casamento de aparências, onde cada um coloca sua máscara perante a sociedade, e fingem muito bem os seus papeis de “príncipe e princesa” felizes para sempre, com filhos amados, perfeitos a imagem e semelhança deles mesmos. Da troca de afetos, do tempo, da conversa, da brincadeira com os filhos, do desgaste das relações. Todos esses questionamentos se fazem necessários, no mundo conturbado em que vivemos. Vidas marcadas para sempre, e  nos permite refletir se há um recomeço, depois de uma tragédia como essa, ou apenas se segue como uma morta/viva. Faz me lembrar que antes da “cura” ainda se é melhor a prevenção. No amor se constrói, com a repulsa, juntam-se cacos de destruição. 
 
 

 
                                        Águida Hettwer
                                  Acadêmica/Psicologia