“Susie e os Baker Boys” (The Fabulous Baker Boys)

“Susie e os Baker Boys” (The Fabulous Baker Boys)






Podemos combinar agora ou deixar para mais tarde. Não mudará uma vírgula. Melhor combinarmos agora. Steve Kloves é um sonhador e tal informação - vital - não veio de sua psicanalista, mãe, melhor amigo, Google, etc. Como dizer, a gente sente esse tipo de coisa.

Steve Kloves escreveu e dirigiu The Fabulous...

Com toda mudança comportamental ocorrida, em grande parte devido ao incremento tecnológico, um dado permanece estático no vendaval. O artista chega numa casa de espetáculo, seja esta o Maracanãzinho ou a espelunca da esquina e os parâmetros são – a platéia de um lado e o palco de outro, com o(s) artista(s) em cima. E em dado instante ocorre a Hora H ou se preferir a Hora da Verdade. Até hoje isso não mudou e ninguém vai num show para assistir uma holografia.

Lançado em 1989, "Susie...." conseguiu 4 indicações ao Oscar e Michelle Pfeiffer levou o Globo de Ouro (Melhor Atriz). O tempo passou. Ponto. Aí, no presente momento, você aperta o play e vê Michelle na cena da audição para os irmãos Baker (Jeff Bridges e Beau Bridges). Ela canta “More than you know”. Ponto. Você se arrepia.

Se alguém montar um pequeno compêndio de cenas inesquecíveis, The Fabulous leva duas, essa, e a seguinte, quando ela está agachada no palco procurando a "cola". (Os artistas estavam perdidos, esse tipo de coisa acontece no showbizz, algo dá errado e é necessário improvisar). Michelle levanta cantando e a partir de então o trio passa a acontecer.

Cantora de mentira(?), Pfeiffer deve ter inspirado muita cantora de verdade, ou aspirantes à, e não seria uma blasfêmia supor que a loira virtuosa Diane Krall tenha assistido e ainda por cima cismado com a versão do hit de Burt Bacharach .

Graficamente, uma imagem sintetizadora de “Susie...” seria a da placa com duas setas – uma para cima, outra para baixo. Na primeira metade, a seta para cima indica a ascensão da galera – eles se encontram em bares de hotéis e similares, atuam e providenciam seu sustento, detalhe, com reconhecimento do público.

Na segunda metade, a seta pra baixo. O trio se desfaz por motivos pífios, são artistas sem ilusões, Susie, garota de programa dotada de uma afinação musical além de acima da média vai virar locutora, Beau Bridges empacota os troféus almejando lecionar música ao passo que Jeff, o cool da dupla, (cujo piano é tocado na realidade por Dave Grusin), tentará a vida em espeluncas para brincar de jazz. Mesmo se fosse verdade, já seria um bonde fora dos trilhos.

Na segunda metade, em suma, eles batem boca, trocam duras alfinetadas, Jeff só pode levar essa vida despreocupada porque alguém se preocupa por ele (Beau), mas Jeff tem “a coisa”, aquele tipo de veia e percepção musical que a um só tempo é o inferno e o céu para outros músicos, Susie lhe diz que seu talento supera a mediocridade de seu ganha pão e ele retruca que, para uma puta, ela filosofa deveras.

O ser humano ainda não entendeu que o conteúdo da boca funciona igual a pasta no tubo de pasta de dente: quando sai pra fora, não volta mais.

Nesta carochinha, só a cultura americana é real, algo capaz de propiciar uma dupla de irmãos pianistas que anima festas, casamentos, convenções, feiras, etc. e permanece na estrada por 31 anos. Todo mundo ali sabe que, pelo ponteiro oficial, ninguém vai virar capa de revista. A arte que eles fazem é, em si, (triste e um tanto cínica constatação), um paroxismo. A chegada de Susie para os Baker equivale a "visita da saúde" para o doente com o pé na cova.

No sonho de Steve o mito da menina que foi garota de programa e não tem um único case de aulas de canto ou apresentações na bagagem (só histórias de michês) é um mito perigoso porque induz mentes cruas a suporem que, por exemplo, um cara como o Al Di Meola toca aquilo tudo porque tem o dom, apenas isso. Na concepção da mente crua, antes ele jogava biriba debaixo de uma árvore e do nada caiu um violão no seu colo e então passou a “fritar” escalas como alguém que estuda 12 horas por dia. Tenha dó... O mesmo caminho mental leva acéfalos a balbuciarem que a Elis cantava tudo aquilo por causa da farinha. Vá atrás. Se fosse assim teríamos uma Elis em cada esquina.

Michelle Marie Pfeiffer começou na televisão em 1978 e “cantora”, além de atriz, já era um de seus atributos.

No sonho de Steve a Susie Diamond canta muito, conhece até as minúcias de um extenso repertório e, de uma hora para outra, exclama: ora bolas, vou fazer locução para comida de gatos. Se por um lado o autor homenageia o artista menor, por outro esquece que aquele que carrega uma vocação não se livra desse entre aspas fardo de uma hora para outra. Aliás, não se livra.

Programinha da hora para a "melhor idade", e se você reparar bem, é exatemente esse público que prestigia o trio em todas as apresentações.

- Vocês tem classe – disse o gerente de um dos estabelecimentos – as pessoas hoje em dia não sabem o que é classe, mesmo se tropeçarem nela.







 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 26/04/2012
Reeditado em 04/07/2021
Código do texto: T3635199
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.