"Conta Comigo" (Stand by me)

"Conta Comigo" (Stand by me)






Há um diálogo, na primeira metade, que ilustra de modo inconfundível essa fase da vida, a pré-adolescência, ou se preferir – jovem. Drumonnd definiu assim: “E como todo jovem, imortal”. Stephen King, autor do conto de onde se origina o filme, viu desse modo: “sabíamos quem éramos e para onde estávamos indo”. Touchée. Juntando as duas chega-se ao denominador: imortal e sabedor. Com o correr dos anos essas características se derretem e assumem outro molde – mortal e indeciso.

Rob Reiner conduz com regência soberana essa pérola do norte cinematográfico, estrelada por Wil Wheaton, River Phoenix,
Corey Feldman e Jerry O'Connell, quatro garotos que decidem passar uma noite fora de casa para ver um cadáver. Soa esquisito, mas o motivo nessa obra equivale a gota no oceano. Já diziam os sábios, esqueça o objetivo e concentre-se no passeio.

Todos os signos pertinentes a interseção entre o rural e o urbano dançam feito libélulas nas personalidades juvenis de 1959. Eles têm uma casa na árvore, vão levar lanternas e sacos de dormir, cantarolam jingles da TV, debatem sobre Mickey Mouse e Super Homem, as brincadeiras com a mãe (do outro) são inesgotáveis, eles brigam e mais importante do que a briga, fazem as pazes, há o ferro velho e o cachorro feroz, há a cultura dos centavos – isso perdurou na América por muito tempo, um punhado de moedas pode livrá-lo da barriga vazia, há o mundão para ser percorrido, precisamente 32 quilômetros entre a partida e a chegada, com árvores, rios, empórios e linha do trem. E eles têm famílias com histórias pouco alegres.

Apesar do lado Mojica Marins de Stephen King ter, de certa forma, se sobressaído em sua obra, sua veia da “escrita que observa” jorra plena em The Body (no Brasil, "O outono da inocência - O Corpo").

Reiner usou o título “Conta Comigo” em virtude da música de mesmo nome de Ben E. King, que toca nos créditos finais e é insinuada pela orquestra nalguns momentos durante o filme. Mas ela serve com perfeição à camaradagem que circula feito eletricidade entre os companheiros de jornada.

Você vai achar na Wikipédia ou em outras fontes mais confiáveis informações de que a obra agrega muito da própria infância do autor. O interessante é que Rob Reiner captou a mensagem e seu olhar sobre esse episódio, com tudo que lhe é pertinente, atua com a mesma veracidade infalível de uma crônica ou conto. Considere também que o filme foi lançado em 1986 e o fato teve origem em 59. Não é tarefa fácil equilibrar esses fatores e assim transmitir não apenas o concreto como aquilo que o permeia.

A película abre com Richard Dreyfuss, a versão adulta de Wil Wheaton, ponderando sobre o ocorrido um quarto de século atrás.

Corey Feldman interpreta o menino Teddy Duchamp, que teve a orelha queimada pelo pai, um homem que tinha acessos de loucura devido ao Desembarque da Normandia. River Phoenix faz o pequeno líder Chris Chambers, ele segura a onda quando as águas se agitam, comenta que seu pai abusa de álcool e tudo o que ele traz de casa é uma 45 (do pai) e um maço de cigarros (do pai). Adultos...

Wil Wheaton seria o próprio de Stephen King, sua sensibilidade aguçada exibe marcas profundas, seu pai diz que seus amigos ou são ladrões ou retardados, ele sonha com o irmão (John Cusack) há pouco falecido em virtude de um acidente, fato esse que o deixou órfão virtual, com pai e mãe em casa cultuando o morto e desprezando o vivo. Adultos...

Jerry O'Connell encarna Vern Tessio, ele é, digamos, mais robusto que os demais e um tanto cauteloso, foi quem teve a idéia, ou melhor, que ficou sabendo sobre o cadáver de um jovem atropelado, um ou dois dias antes, cujo corpo ainda não fora localizado. Ele tem um irmão na casa dos 18/19, Casey Siemaszko, amigo de Kiefer Sutherland, os marginais do perímetro, eles integram a subtrama e naturalmente são uma ameaça que atua com dois papéis no tempo e no espaço. Ameaçam naquele instante, por ações e comprometem o futuro, já que o exemplo é a única maneira de ensinar outrem, para a direita ou para esquerda.

O autor explica o que aconteceu com eles.

O robusto Vern se tornou funcionário do mês e pai de quatro filhos, Teddy Duchamp tentou entrar para o exército seguidas vezes sem sucesso, puxou cana por uns tempos e terminou fazendo bicos aqui e ali. O menino vivido por River Phoenix conseguiu a duras penas se tornar advogado e encerrou essa jornada no planeta Terra sendo esfaqueado num restaurante, por tentar apartar uma briga.

Dá para traçar uma infinidade de paralelos assistindo as aventuras do quarteto no ensolarado e bucólico Oregon, desde as comparações mais banais entre lá e a atualidade cá, até as questões relativas ao cerne e como ele, por assim dizer, se desenvolve.

Rob Reiner, cineasta puro sangue (filho do diretor Carl Reiner), possui na bagagem When Harry met Sally... e A Few Good Men, entre outros, e neste trabalho nos presenteia com um misto de poesia e arrojo. As cenas da locomotiva no encalço da garotada são corajosas, e não fica atrás o duelo de carros na rodovia. Tipo de cinema bem feito cujos planos te possibilitam uma maior integração ao espetáculo.

Stand by me reúne uma nota tensa que vibra feito um diapasão eterno ao longo de todo o trabalho, fazendo uma espécie de contraponto ao que comunica a situação original - a de quatro garotos de 12 anos dispostos a passear nos prados. Se eles nadam numa lagoa, saem cheios de sanguessugas, se há uma linha do trem, esta os põe em risco em mais de uma situação, o caminho é belo, mas no meio do caminho eles descobrem que não tem o que comer, o atalho pelo ferro velho reserva a ingrata agressão verbal por parte do dono – ele diz para o garoto Teddy Duchamp: você é filho do louco, olha o que seu pai fez com você.

Os estigmas voam em pequenas localidades.

De noite, River Phoenix abre a guarda para o amigo e chora copiosamente por uma maldade que lhe fizeram no colégio, sendo a vilania em si menor, pelo menos na opinião dele, se comparada com quem a fez – sua professora.

Os méritos de Reiner e King estão na agremiação desses fardos, fazendo com que fiquem amalgamados com a principal arma de um menino dessa idade – sua inerente alegria. Vem daí a poesia da obra.

Enfim, na sua aparente simplicidade, eis um filme que versa sobre aqueles que passam por nossas vidas e causam profunda impressão, impressão esta não sendo outra coisa senão amor. Será para eles (ou elas), que vamos dizer, a qualquer tempo: conta comigo.



 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 25/07/2012
Reeditado em 28/06/2021
Código do texto: T3796630
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.