Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge (Análise e crítica)

Existem muitas formas de homenagear alguém, uma delas, inclusive, é o silêncio. O diretor da trilogia, Christopher Nolan, em respeito à memória de Heath Ledger, resolveu nem citar o nome de Coringa. E, embora a trama de “O Cavaleiro das Trevas Ressurge” ocorra oito anos após os eventos do filme anterior, toda a história está altamente conectada aos acontecimentos relatados em “Batman Begins”, o primeiro longa da franquia, de 2005. Portanto, se você ainda não assistiu àquele filme ou não se lembra dele com detalhes, é muito aconselhável que dê uma conferida antes de rumar ao cinema.

Neste último episódio, Gotham é uma cidade tranqüila e vive momentos de paz desde que Batman (Christian Bale) desapareceu, e todos os criminosos foram presos. Neste ínterim, as Empresas Wayne, que sofre um momento de crise desde quando Bruce Wayne (Christian Bale) se refugiou em sua própria mansão, constrói uma fonte sustentável para a cidade, mas que pode ser utilizada como uma bomba nuclear, e por isso o projeto não pode ser vazado. Devido a traições dentro da própria cúpula da empresa, chega à cidade um exército de terroristas liderados por Bane (um irreconhecível Tom Hardy), que a cerca e proclama aos quatro cantos mediante um discurso totalmente anarquista que a cidade será destruída em um pouco mais de três meses.

Bane surgiu nas histórias em quadrinhos do Batman em uma fase complicada do formato, uma vez que grandes apostas eram a de desmistificar os seus heróis: ou seja, fazê-los sofrer para que se vendessem mais revistas. Ele foi realmente o responsável por dar uma surra em Batman e deixá-lo quase aleijado para sempre. Inclusive, Bane deu o ar de sua graça no confuso e ruim “Batman & Robin”, de Joel Schumacher, como um vilão que não dizia a que vinha, uma espécie de Hulk, só que ainda mais retardado. Nolan, então, pegou o personagem e lhe deu outra função.

Em tempos de semeação de ideais terroristas, Bane funciona como uma espécie de aliciador desses jovens que dão à própria vida em nome de uma causa sem ao menos saberem se de fato fazem parte dela. Isso fica bem claro na primeira sequência eletrizante do filme (a do avião) e em uma fala magistral de um dos traidores da multinacional Wayne. Com muito sarcasmo ao saber que um jovem recrutado havia dado sua vida para despistar as investigações justamente sobre o caso do avião seqüestrado, o personagem diz que não sabe onde Bane conseguia encontrar jovens tão tolos como aqueles. Mas, voltando às HQ's, os seus elementos foram respeitados e continuam vivos ali. A luta entre os inimigos, ainda no meio do filme, é de não piscar nem por um segundo os olhos: além dos cenários e coreografia, a direção de câmera é perfeita! É nesse momento que Batman leva uma surra de Bane, tem sua coluna quebrada e é aprisionado. Gotham, então, ficaria sem seu defensor. Ele se recupera, e é aí que, dando jus ao título, o cavaleiro das trevas ressurge.

Falar sobre a competência de toda a equipe técnica é “chover no molhado”, literalmente. Roteiro, interpretações, os efeitos, direção de arte, texto, trilha sonora, sonoplastia... Nada, nada realmente parece escapar ao olhar atento de Nolan, que parece conhecer o personagem tão bem quanto seus criadores. Se Bale não faz um Batman perfeito, ao menos é o que chegou mais próximo ao perfil explorado nos quadrinhos. Claramente, existem ali dois personagens: o Bruce Wayne, talvez o bilionário mais triste que exista na face da Terra; e o Batman, sério e contido nos gestos, mas totalmente ágil.

As relações interpessoais também são um grande êxito nesta trilogia. Não somente a do Batman com o Comissário Gordon (Gary Oldman), mas principalmente entre Brune Wayne e Alfred Pennyworth, interpretado de forma magistral pelo veterano Michael Caine. É bastante fiel aos quadrinhos, pois não há máscaras nessa relação: ambos se conhecem profundamente, mesmo se surpreendendo às vezes em relação ao outro, e se interdependem como um pai a seu filho. A sequência em que Alfred se demite e logo na cena seguinte Bruce acorda chamando pelo seu nome mostra exatamente isso. Sendo assim, buscou-se inclusive entender o lado humano do herói, quem era aquele homem por trás da capa. Por isso, pode-se dizer que esta franquia vai além de filmes sobre um herói: é uma análise acerca da nossa própria sociedade e uma discussão sobre diversos valores. O que parecia impossível de ser realizado se concretizou: Nolan transformou o Cruzado Encapuzado (como também é conhecido), um dos grandes ícones da cultura pop, em filosofia, visto e aplaudido por milhões em todo o mundo. Batman, portanto, se transformou em símbolo de superação e de que somente com coragem e força de vontade somos capazes de fazer do mundo um lugar melhor.

Três novos personagens da mitologia do Soldado de Gotham são revisitados neste episódio derradeiro. O primeiro trata-se da Mulher-Gato, interpretada aqui por Anne Hathaway. Muitos fãs ficaram apreensivos quanto à abordagem da atriz para o papel, mas ela mandou muito bem o seu recado, até sendo responsável por alguns dos poucos momentos de humor (sempre negro) do filme. É claro que a personagem ficará imortalizada pela Selina Kyle de Michelle Pfeiffer em “Batman – O Retorno” (1991), sob a regência de Tim Burton, contudo imagino que Hathaway não tinha mesmo o objetivo de superá-la. Há rumores de que a personagem ganhe um filme-solo. Bem, sou da opinião de que a Mulher-Gato novecentista ainda é a única que merecia. Sinto muito...

O outro personagem é John Blake, vivido por Joseph Gordon-Levitt, que aqui teve de engrossar a voz para viver um policial honesto e heróico. Para os batmaníacos mais observadores, não fica difícil fazer analogias quanto ao destino do garoto: a sua história, narrada por ele mesmo em uma conversa com Bruce Wayne, lembra alguns elementos da de Dick Grayson, que posteriormente nos quadrinhos se consagrou como Asa Noturna e substituiu Batman na fase “Descanse em Paz” (2009/2010). Ademais, o sobrenome Blake lembra muito o de Tim Drake, personagem que vestiu uma certa capa por um tempo. E então, adivinhou?

Embora o diretor e o ator principal já tenham garantido que não voltam em uma possível continuação, aquele se mostrou generoso e deixou uma premissa para que a saga do Homem-Morcego nos cinemas não termine com esta trilogia. O desafio será encontrar justamente o diretor certo para o projeto, caso ele venha a existir. Pois as comparações serão inevitáveis e os ricos maiores ainda, incluso o de um potencial fracasso. Quanto ao terceiro personagem, ele está totalmente ligado ao “Batman Begins” e é o culpado pela grande reviravolta no filme, o que nem muitos fãs dos quadrinhos supuseram a imaginar. Contando, estragará a surpresa.

Por fim, nada mais digno a dizer senão que a saga do “Batman de Nolan” é encerrada com chaves de diamante. Desacreditado no cinema depois de tentativas frustradas, conseguiram resgatar o personagem do ostracismo e dar-lhe um olhar maduro, o que os quadrinhos e as séries animadas já haviam conseguido, porém o cinema ainda não. Claro que nem todos sairão completamente satisfeitos, pois se trata de uma obra aberta e nem todos concordarão com os desfechos de personagens. Mas isso é uma questão de gosto e opinião, não de (in)competência por parte dos idealizadores.

Contudo, é de senso geral que fomos apresentados a um verdadeiro épico que será ponto de referência às próximas gerações e a qualquer um que queira se familiarizar com a mitologia do herói, uma das mais extensas e controversas também. Ir a uma sala de exibição e conferir “O Cavaleiro das Trevas Ressurge” é mais que uma oportunidade de diversão, é a chance de testemunhar um evento que marcará a História do Cinema e quem sabe fazer com que os filmes de super-heróis sejam vistos de outra forma, além de entretenimento cujo fim está em si mesmo.

2011 e 2012 têm sido anos ótimos para essas produções, pois os acertos são infinitamente superiores aos erros. Que continue assim, pois Batman com certeza deu a isso sua contribuição.

Nota: 10,0.

Dan Niel
Enviado por Dan Niel em 28/07/2012
Reeditado em 21/01/2013
Código do texto: T3801474
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