A saída de Banky pela loja de presentes

“Costumava incentivar todos a fazer arte. Agora tomo mais cuidado.”

Banksy

Você sabe o que é um estêncil? E qual o maior movimento de contra cultura desde o punk, você sabe qual foi? E quem é Banksy, você sabe? Se me perguntassem ontem a tarde as respostas que daria seriam respectivamente, “Sim, não e não.” Estêncil é, no que importa a este texto, uma técnica de grafitte. Nela o artista faz um recorte em um papelão de algum desenho (de dois policiais se beijando, por exemplo). Em seguida o artista deixa este papel próximo a uma parede e joga spray contra o papel. Apenas onde está cortado passa tinta, de modo que o desenho funciona mais ou menos como um carimbo que se aplica em paredes. O maior movimento de contra cultura desde o punck foi realizado por artistas anônimos que faziam diversas intervenções artísticas (cuja técnica mais famosa é a do estêncil) pela cidade. Banksy foi o maior expoente e um dos mais ousados deste movimento. Provavelmente você já viu alguma intervenção dele, senão no jornal então em revistas de arte mais moderninhas ou mesmo no facebook.

Vi um filme ontem realizado pelo próprio Banksy. Cara, o filme é demais! Parece que o filme é feito por um cineasta amador (Thierry Ghetta) e fala sobre arte de rua quando é, na verdade, um filme sobre um artista de rua (Banksy) sobre o cineasta amador.

Thierry é um cara louco por câmara. Ele filma, filma, filma tudo o tempo todo. Filma os filhos, as pessoas andando, se filma nos reflexos. Um dia, em uma festa de família em Londres ele filma um primo (Space Invader) se preparando para fazer uma intervenção de rua. Thierry fica fascinado e passa a gravar pessoas que fazem intervenções (algumas delas realmente muito bonitas, como a do cara que pinta as sombras das coisas, umas puro vandalismo, como o cara que picha “Desculpe pela sua parede”).

Ao voltar para os EUA ele começa a procurar as pessoas que faziam isto em sua própria cidade. Claro, ele tem fácil acesso por conta do seu primo, Space Invader. Thierry fica filmando por meses (ou anos? no filme não fica claro) este movimento. Em um dado momento alguém pergunta, “para que você está filmando?”. Ao invés de Thierry responder algo como, “Sou um louco, que gosta de filmá-los enquanto fazem algo proibido, gosto da sensação do perigo e de sentir que estou fazendo parte de algo.” Ele respondeu apenas, “Estou fazendo um documentário sobre arte de rua.”

Talvez você, leitor@, já tenha se aventurado no campo da edição. Se é o caso você sabe que passamos muito mais tempo editando do que filmando. Vendo o filme eu pensava, “Aposto que este cara nem vê o material que filmou”. Se filma o dia inteiro teria que passar o mesmo tempo apenas para ver o material (e imagina o tempo que levaria para catalogar as fitas, decupar o bruto, editar....). Thierry nos dá uma aula do que não se deve fazer num documentário: Sair filamado ao leo. Ok, não existem regras para obras de arte e aposto que tem gente que consegue fazer coisas bonitas com este método. É o mesmo que sair escrevendo sem saber o quê... Ai, ai... que complicado. Sempre que tento tomar posições assertivas em respeito à arte vejo que de algum modo, em algum caso, este modo pode funcionar.

Talvez eu não consiga ser assertivo sobre sobre um dever ser da arte (falando por exemplo sobre como deve ser o começo de um documentário, que se deve pensar no que se quer realizar e em como vai ser no fim). Mas o filme traz outras questões relacionadas à arte. Traz a questão do sucesso comercial e traz a questão do incentivo à produção artística. Primeiro sobre motivação. Acho que existem três motivações para fazer uma obra de arte, todas muito bem retratadas neste filme. A primeira é uma pulsão, uma vontade as vezes irresistível as vezes teimosa de expressar alguma coisa que só será expressa na arte (como o desenho de um buraco mostrando um mundo paradisíaco na parede que separa a Palestina) . A outra motivação é o prazer, o prazer da prática (é gostoso tocar, é gostoso desenhar, é gostoso brincar, exercitar a prática, sentir o que o material tem a oferecer e o que temos a oferecer ao material). Era o caso da câmara para Thierry. Seu prazer, seu interesse consistia em brincar com a câmara, não para o desejo de se expressar em um produto acabado. O terceiro motivo é mostrado no desfecho do filme. Então falo dele daqui a pouquinho.

Por ser feito à margem da legalidade a arte de rua era meio efêmera. Se o dono da parede quiser pode apagar o grafitte assim que o vir. Do mesmo modo era feito por anônimos, se autoria fosse descoberta o autor poderia responder judicialmente por seus feitos. De modo que os artistas entenderam ser conveniente a presença de alguém que registrasse o movimento.

De uma hora para outra aconteceu algo muito interessante e que merece um artiguinho por si só, mas sobre a qual não vou me esmiuçar: O status quo passou a abraçar a produção destes artistas. Os críticos apreciavam o trabalho, a mídia falava com carinho das intervenções, grandes colecionadores passaram a disputar (e a pagar caro) por suas obras. Neste momento (não antes, vejam que curioso) pediram para Thierry cumprir com sua palavra e fazer o documentário.

E ele o fez. Fez com um método muito particular. Pegou uma fita aqui outra aculá (aleatoriamente) e juntou tudo em um longa metragem. O filme ficou inassistível (embora tenho certeza de que se procurarmos bem acharemos algum crítico pronto a gostar da obra). Banksy então disse algo assim, “Cara, por que você não deixa este material bruto comigo e vai você mesmo fazer sua arte, suas intervenções artísticas?”

Thierry viu a sugestão de Banksy como uma missão. Simplesmente vendeu tudo o que tinha, hipotecou a casa e com o dinheiro fez uma linha de montagem de obras. Simplesmente contratou especialistas em design, em manipulação de materiais, em acabamento. Fazia pedidos, dava conceitos e seu “exército de guinomos” realizava. Alugou uma enorme fábrica e começou a realizar sua exposição nela. Daí pediu a seus amigos (que a esta altura já eram grandes nomes da arte moderna) para que fizessem recomendações de sua exposição. Meio a contragosto eles deram pequenas frases. Que foram divulgadas em banners gigantescos pela cidade. O problema é que Thierry não tinha experiência e a exposição perigava sair um fiasco (que custaria a casa, a loja e o carro de Thierry). Banksy então chamou algumas pessoas experientes no meio da arte para ajudar na exposição.

Ele conseguiu uma review positiva de uma aclamada revista de cultura e fez uma propaganda excelente. Formou-se uma fila gigante. O que traz um clima de incerteza grande. Faltando cinco minutos para abrir a exposição, Thierry está dando uma entrevista e chega um produtor desesperado e diz, “Você precisa vir, o salão principal está vazio.” Thierry mesmo meio nervoso não titubeia, “Coloque as obras enfileiradas aleatoriamente.”, em seguida diz para a entrevistadora, “Ainda temos três minutos de entrevista.”

Todo o fim do filme gira ao redor do que ocorreu em seguida. Várias pessoas são entrevistadas para falarem da repercussão da obra. Apenas na primeira semana Thierry, um artista iniciante (e que provavelmente teria muita dificuldade em fazer qualquer dos quadros sozinho) vendeu mais de um milhão de dólares. A exposição que estava prevista para durar duas semanas durou três meses. Um sucesso arrebatador.

O que nos traz várias perguntas. A qualidade de um artista se dá pelo seu sucesso comercial? Se dá pelo seu sucesso com a crítica? Será Thierry um gênio? Será Thierry uma fraude? As pessoas que falam de Thierry no filme são ou artistas ou envolvidas no mundo da arte. Ninguém foi peremptório em condená-lo ou em dizer que sua produção era horrível. Mas ao mesmo tempo todos estavam incomodados com sua súbita ascenção. Como aquelas pessoas – tão questionadoras do sistema – se valeriam de alguma regra de qual tragetória é legítima para um artista?

Vejam bem, caros leitores, Thierry contratou um monte de gente para executar suas ideias. Isto o torna menos artista? Ninguém alegaria que Tarantino é menos artista por por contratar um técnico de som. Você acha que a analogia não funciona por serem obras de tipos diferentes? Então me diga qual a diferença que faz a analogia não funcionar.

Para terminar este ensaio (ou aritiguinho, nunca sei como classificar meu texto). Gostaria apenas de dizer que a terceira forma de motivação é externa à produção artística. É o desejo de ganhar dinheiro (como no caso das propagandas), ou o desejo de se promover. Acho que este foi o desejo de Thierry ao virar u artista gráfico. Suas obras valem menos por conta disso? Ele é menos artista por isto? Como toda afirmação peremptória sobre arte, difícil dizer.

Um dos últimos depoimentos:

“A grande piada é que... a grande piada foi... eu nem sei se há uma piada, na verdade. “