“Segredos do Poder” (Primary Colors)

“Segredos do Poder” (Primary Colors)




Essa obsessão pela palavra “poder” na titulagem é de lascar. Parte considerável do público torceu o nariz para um filmão do Clooney só pelo titulo “Tudo pelo Poder” (The Ides of March). Acharam que era um lance de corrupção. O mesmo ocorreu com a história verídica “Jogo do Poder” (Fair Game), com Sean Pean e Naomi Watts. Isso no último ano e meio...

E o interessante nesses trabalhos, inclusive o presente, é que são elucubrações feitas de dentro. Traduzindo – o roteirista de “Ides...” foi redator de campanha presidencial em 2004. “Fair Game”, como se disse, tem base verídica. E o autor de “Primary Colors” reúne uma reputação (já tinha, na época do lançamento - 1998) de colunista político Primeira Linha da Time Magazine. Concluindo os preâmbulos, quando vem de dentro exibe mais sustância. 

As outras sustâncias repousam no elenco, diretor e na condução do filme em si. 

Idéias, personagens e conceitos, frutos dos 90, todos girando nessa mídia de rápida  degustação e combustão  – Cine Pipoca com QI – até hoje possuem uma espantosa capacidade de transmitir A mensagem. 

Elenco: John Travolta, Emma Thompson,
Kathy Bates, Billy Bob Thornton, Adrian Lester, Larry Hagman e seguem fisionomias que o público cinéfilo reconhece de longe. 

Emma Thompson faz a americana mais interessante sobre a face da Terra (para tal feito, talvez seja necessário nascer na Inglaterra), há uma classe invejável na praticidade dela como esposa (e principal aliada) de um doidivanas rápido no verbo, o político John Travolta. 
Travolta é praticamente esse personagem, governador John Stanton, concorrendo à presidência pelos democratas.

Eles rodam a América e no filme todo ele está situado como um governador do sul, mas não dizem de qual estado. 

Faça um ligeiro exame do que você assiste na mídia hoje, em termos de entretenimento e notícia e responda em silêncio a conclusão. Com base nesse parâmetro, “Primary Colors”  por pouco não se torna um maná celestial. Ele tem recheio. Se algumas partes mostram-se batidas, isso faz parte do jogo, esse recheio é um gerador estacionário espalhando idéias do começo ao fim. 

A direção de Mike Nichols e o texto de Joe Klein nessa proposta de diversão - que nem de longe pretende ser Kubrick ou Pasolini – funciona às mil maravilhas. 

Adrian Lester faz Henry Burton, um jovem afro-britânico (aqui afro-americano), que se engaja na campanha por idealismo. O idealismo, por assim dizer, mostra-se o grande invólucro do espetáculo e está presente em todas as passagens. Adrian é quase um protagonista nesse filme, e seu personagem foi neto de uma figura lendária – o texto não dá nome aos bois, mas todos dizem a ele: “eu marchei com seu avô”, “seu avô foi minha inspiração”, “atravessei tantos estados de ônibus e mochila para ver seu avô discursar”.  

Kathy Bates foi indicada ao Oscar (Melhor Atriz Coadjuvante), na pele de Libby Holden, uma maluca engajada em política desde 1972, cuja missão consiste em proteger John Stanton (Travolta) - ela frisa isso com todas as letras, explicando que proteger difere de destruir o outro. Numa trama sem ranço, ela é mais uma personagem com ideais de ética (não se trata de maniqueísmo) somado a um histórico de aspirações e decepções. No final ela lança uma questão muito perspicaz: vamos ver quem são essas pessoas, já não é o caso de um vir a ser ou uma projeção – agora elas estão sendo testadas. 

O livro de estréia de Joe Klein foi sucesso de vendas em 96 e parece ter sido inspirado na primeira incursão à presidência de Bill Clinton. Joe também  escreve para The New York Times, The Washington Post, LIFE e Rolling Stone.    

Difícil não acreditar que “Segredos...” tenha atingido algumas mentes nesses idos, mentes essas que um ano depois lançaram a premiada série de TV “West Wing”. Há ingredientes muito similares. Depois, trata-se de um filme de Mike Nichols, um cara que definitivamente, em 1998, chamaria a atenção. 

O produtor, roteirista, comediante e diretor Michael Igor Peschkowsky, nascido em solo germânico em 1931, chegou na América em 39 e fez dois gols de placa nos anos 60: “Who's Afraid of Virginia Woolf?” (Quem tem medo de Virginia Woolf?), 1966 e “The Graduate” (A Primeira Noite de um Homem), 1967. Ele não parou por aí, sua filmografia é das melhores e aqui ele mostra, através de um meticuloso colorido - vide as cenas de Travolta com o funcionário de uma confeitaria, ou discursando num sindicato - a América pré Iraque, desprovida desse tom cinza azulado que permeia quase toda produção cinematográfica atual. 

Nichols imprime um ritmo agradável no trabalho todo, dimensiona cada membro do elenco com exatidão e dá força a aparentes pequenas ações, como por exemplo, a primeira conversa de Emma com o jovem Lester. Ali, ela diz que a história é feita pelos iniciantes. 

Nada de acrescentar ou subtrair qualquer coisa ao governador Travolta. É como se ele tivesse nascido para essa existência de escassa fidelidade no matrimônio, fala mansa com uma verossímil presença de espírito em qualquer situação, pequenos acessos de ego esperneante lá e acolá, mas recapitula e não abre mão do Ajustador do Pensamento: “Uma palavra amável dissipa a raiva.”

Inexiste uma espetacularidade em “Primary...”, um ponto nervoso movendo todo mundo ribanceira abaixo ou acima, a trama anda com Travolta e seus apaniguados – atente que eles trafegam numa desejável atmosfera informal, sem capangas, carros blindados, neuroses outras. Billy Bob Thornton faz a cabeça pensante na toada de angariar votos,  montar comitês e a trupe do governador compartilha a vida em hotéis baratos, debatem problemas íntimos, ficam na “vibe” de expectativa & ansiedade, idealizam estratégias, por aí vai.

Fazendo um determinado caminho de raciocínio, o “xis” da questão de todo o evento está na fala de um personagem menor.

Larry Hagman (também concorrendo), discursa brevemente numa convenção do partido:

- “Precisamos nos acalmar um pouco. Se não tomarmos cuidado, tudo fugirá ao controle. Os políticos, ao invés de tentarem explicar seus pontos de vista, acabam jogando lama uns nos outros. Tudo para excitar e atrair a atenção de vocês, como se fosse um acidente de carro ou uma luta de Vale Tudo. Só que é falso, é tudo combinado e não significa nada”. 
     
 
 
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 20/11/2012
Reeditado em 11/06/2021
Código do texto: T3995573
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