RESENHA

                                Por Águida Hettwer
 
    O filme “Linha de Passe”, dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas, relata  a história e cotidiano de uma família composta  de quatro irmãos que vivem com a mãe (que espera um quinto filho), de pai diferente, na Cidade Líder, zona leste de São Paulo. A mãe, Cleuza (Sandra Corveloni) é empregada doméstica, trabalhando em uma casa de classe média, ela percebe que pode logo perder seu posto, já que não tem tanta agilidade como quando não carregava aquela barriga e  é corintiana fanática. O roteiro passa entre a pobreza e a miséria, os conflitos familiares entre os irmãos, os sonhos sendo muitas vezes atropelados pelas dificuldades. Dinho é evangélico e frentista  tem sua fé testada diariamente e suas crises de valores são constantes. Denis é motoboy e volta e meia vive enrolado para pagar a pensão do filho, mas precisa também quitar a moto da qual necessita para trabalhar. E ao abastecer no posto onde o irmão Dinho trabalha, constantemente pede ao irmão alguns litros de gasolina a mais, gratuita. Reginaldo o caçula, é um menino negro, tem a malandragem e a simpatia como aliado e vive a procura do pai, motorista de ônibus que não conheceu. E Dario aspirante a jogador de futebol, luta para passar em diversos testes de peneira e conhece a dura realidade do mundo da bola.
 
  O dilema da família, sem uma figura paterna exercendo sua função, retrata a dura realidade de milhares de brasileiros. É um retrato real da vida sofrida do povo da periferia, um povo que se agarra na fé, no time do coração, na bebida, na troca de parceiros, na procura constante da felicidade em pequenos gestos.  O filme no seu contexto trilha histórias de vidas de lutas, fracassos, exclusão e violência. O rosto de Cleuza traz as marcas de sofrimento, cansaço de uma mulher que vive ao redor dos filhos. Onde a fumaça de um cigarro e outro, é como se pudesse aliviar a tensão dos dias, sua paixão por futebol nos remete a idéia de que ela vê no filho Dario o craque da família, a esperança de uma vida melhor.
 
   Sem dúvidas o filme nos remete a pensar nas questões sociais, são personagens que desejam, almejam e sonham frente ás dificuldades que o percurso da vida de cada um impõe. Desde a chuteira de Dário, que não apresenta nenhuma condição de jogo e deixa visível o seu desejo, e a possibilidade de que seu desejo de se tornar jogador de futebol, permeia na insegurança e no fracasso. A pia entupida, ao mesmo tempo em que atesta a dificuldade da vida de Cleuza, simboliza a vida dos personagens que não escoa. Na frente da casa, existe uma perua velha e estacionada, que serve como um ponto solitário onde cada um pesa os seus tributos diários. Calados e insensibilizados eles tentam dirigir este veículo que nunca sai do lugar, como suas próprias vidas. A Irmã Rosa, no limite entre não andar e vir a andar, apresenta o limite entre a fé e a dúvida na crença de Dinho. O volante, que condensa o gesto de dirigir, significa ao mesmo tempo a procura incessante do menino Reginaldo por seu pai e falta que este representa em sua vida. O sofá que serve de cama, retratando a falta de privacidade de todos. No estádio de futebol Cleuza beija a sua medalha com uma imagem de Nossa Senhora, pendurada no seu pescoço e torce com os “Gaviões da Fiel”. O futebol é a sua alegria, no campo Cleuza reza, ri, xinga e chora e nos permite um novo olhar para o feminino, pois seu personagem representa pai/mãe de seus filhos. Na sua angústia  Dario percebe que o prazo para se estabelecer como jogador de futebol está se esgotando e outra dura realidade que o dinheiro compra sonhos, simboliza quão fragilidade está á sociedade.  Neste contexto de frágeis contornos, onde a vida não sai do marasmo, o personagem Denis representa a delinqüência, no gesto de quebrar vidros de carros, para furtar objetos de valores, valores dos quais ele perdeu no quotidiano de uma corrida e outra.
 
 
 
 
 ANÁLISE CRÍTICA
 
     O filme “Linha de Passe” não nos deixa respostas concretas, ou possibilidade de final feliz para os personagens. Remete-nos a pensar quão dura é a realidade da vida nos grandes centros urbanos, as desigualdades sociais evidentes, os desajustes das famílias, em condições precárias, gerando filhos não planejados, estes vindos ao mundo, sem referencial,  sem estrutura básica. Realidade que nos salto aos olhos nos machuca e fere com as nossas próprias questões internalizadas, seja elas de cunho cultural, intelectual ou social. Um filme sem duvida envolvente e perturbador, pela diversidade de temas, ausência paterna, violência, criminalidade, relações conflituosas, sonhos dissecados no tempo, entre a dúvida e a fé. Linha de Passe nos passa a bola, para repensar questões sociais.
 
 
 
 

 Filmografia
 
Linha de Passe (Brasil 2008). Duração:01 hs 48 min. Direção: Walter Sales, Daniela Thomas Roteiro:George Moura e Daniela Thomas, com colaboração de Bráulio Mantovani Produção:Maurício Andrade Ramos e Rebecca Yeldham. Música:Gustavo Santaolalla. Fotografia: Mauro Pinheiro Jr. Direção de arte: Valdy Lopes. Figurino:Cássio Brasil. Edição:Gustavo Giani e Lívia Serpa.