O corte, de Gavras
O corte (Le couperet – França – 2005) longa metragem do cineasta grego Costa-Gravas. A história trata de Bruno, alto executivo, que é demitido de uma empresa de papel por conta do corte de gastos após servi-la por 15 anos. Depois disso, ele estará empenhado a eliminar qualquer barreira pra conseguir um novo posto.
A idéia da trama surgiu após Gravas ler uma crônica no jornal Le Monde Diplomatique, a qual tratava de um homem que na busca incessante por emprego, resolve eliminar sua concorrência, logo a própria essência do sistema. Gravas fica fascinado com a história e desenvolve toda a narrativa a partir da circunstância vivida pela personagem, o desemprego, sua angústia para voltar a sua posição profissional tão prestigiada e a perda de seu estilo de vida.
O desemprego num cargo dessa natureza não é nenhuma novidade no nosso mundo contemporâneo, ou seja, é um fato até comum, mas essa é uma das características do diretor: parte de um tema superficial de onde terce e desenrola uma grande narrativa. O desemprego gera toda a trama; os demais temas abordados partem desse centro: seja a ganância das corporações, perda do poder aquisitivo de sua família, as próprias relações familiares, casamento, o envolvimento de seu filho com roubo de software, entre outros.
O cinema de Gravas é uma espécie de crônica política, o cinema engajado, do fato singular se deslumbra o sistema, a totalidade; no caso de ‘O corte’, a irracionalidade do sistema capitalista. Em sua Odisséia para conseguir emprego, Bruno elimina, literalmente, seus concorrentes, leva essa lógica as suas formas mais extremas. A partir dessa lógica, são percebidas as dificuldades morais da personagem, a presença da consciência revela o drama moral do começo ao fim do filme.
Outra forte característica dos filmes do diretor é o olhar para as manchetes, o próprio filme nasce no jornal. Especificamente nessa trama, a publicidade ganha destaque. É uma sutileza que mostra o quanto ela nos emerge no mais puro distanciamento. Em vários momentos, ao rodar as ruas em seu carro, Bruno se depara com imensos caminhões com seus anúncios publicitários, as promessas, a felicidade vinculada ao consumo.
É interessante notar que apesar de se tratar de um assassino, não há a idéia de culpado que aguarda punição, não é propriamente maniqueísmo. O fato de Bruno matar de seus possíveis concorrentes não faz dele um vilão na trama, neste caso é melhor falar em corrosão do caráter da personagem; não é o individuo que age por determinações próprias, mas uma determinação sistêmica sob ele.
Movido por uma profunda racionalidade, que não deixa de ser a própria racionalidade do sistema, a personagem desenvolve estratégias, traça metas, maneiras de eliminar a concorrência, a própria forma como ele mata seus concorrentes é uma espécie de mimetização desse tipo de lógica. É nesse sentido que aparece uma dualidade nessa aparente irracionalidade do sistema há na verdade toda uma lógica racional, na medida em que ele elimina seus concorrentes, ele é o único.
O filme tem todo um clima de suspense e investigação, a trilha sonora e as atitudes angustiantes e por vezes atrapalhadas da personagem nos dão a sensação de tensão quase constante e consegue nos prender. O humor negro que permeia a história – esse caráter irônico e sarcástico é inédito na obra do cineasta – é uma ferrenha crítica ao capitalismo, as nossas condições no mundo atual, medo do desemprego, a concorrência desenfreada, ganância e um ‘darwinismo social’ onde prevalece aquele tido como mais forte e esperto.
Ficha técnica
Gênero: Drama
Direção: Costa-Gavras
Roteiro: Costa-Gavras, Jean-Claude Grumberg
Elenco: Christa Theret, Geordy Monfils, José Garcia, Karin Viard, Olga Grumberg, Olivier Gourmet, Thierry Hancisse, Ulrich Tukur, Yolande Moreau, Yvon Back
Produção: Michèle Ray-Gavras
Fotografia: Patrick Blossier
Trilha Sonora: Armand Amar