AMOR EM JOGO

O filme “Amor em Jogo”, uma produção da Fox 2000 Pictures, dirigido por Peter e Bobby Farrelly (Quem Vai Ficar com Mary?) e tendo Drew Barrymore e Jimmy Fallon nos papéis principais, foi classificado na categoria romance, mas possui uma carga de comédia incrível, não deixando o expectador impassível diante do que vê. Os críticos do Los Angeles Times simplesmente o consideraram “hilário”. Mas, a grande virtude do filme é expor uma realidade concreta que tem assolado muitos casamentos e feito com que relacionamentos que eram para ser mais estáveis e dinâmicos sofram por conta de interesses outros.

A dubiedade do título que tanto pode referir-se aos riscos que o relacionamento do casal protagonista da história está vivendo quanto pode ilustrar o amor pelo beisebol que ele tem desde a meninice e ela passa a ter com o convívio com ele; leva-nos a mergulhar de maneira envolvente no universo profundo do relacionamento de dois seres que se encontram e que precisam dar o máximo de si para que a importância de alguém na vida seja mais forte que as coisas que compõem a própria vida. Está em jogo a questão da necessidade de se abrir mão de valores, preferências e coisas em função da pessoa amada.

A história começa com o divórcio dos pais do pequeno Ben Wrightman (Jimmy Fallon). A mãe precisa da concorrência de amigos e familiares para oferecer um pouco mais de diversão para o menino. Certa feita, um tio o leva para passear. Ele não tinha filhos e não sabia lidar com crianças, mas leva o garoto para assistir a uma partida de beisebol dos Red Sox, dando-lhe, inclusive, um livro de presente sobre o assunto. Está ali o embrião de um dos torcedores mais fanáticos que a Terra já viu nascer.

Ben torna-se um adulto obcecado pelo beisebol e pelo seu time de predileção. Isto o faz esquecer das garotas. Não sabia lidar com elas nem as valorizava. É professor por profissão e tenta imprimir um jeito de estádio à sala de aula. É neste mister que, um belo dia, quando vai levar seus melhores alunos de Matemática para um trabalho extra-classe numa grande empresa, que conhece uma jovem, Lindsey (Drew Barrymore), que mexe com seu coração solitário. Ao que parece, ela também se sentiu atraída por ele. Suas colegas a recriminam porque ela tinha uma situação profissional privilegiada, enquanto ele era apenas um “professor”.

O casal, porém, vence os primeiros obstáculos, e a maneira bem-humorada, e até mesmo respingando para a infantilidade do rapaz, atrai a moça que se sente enredada pelo alvissareiro relacionamento. Em princípio ela investe no que pode ser a definição da sua vida amorosa e, mesmo percebendo a paixão de Ben pelo esporte nacional americano, ela decide-se por dar uma chance para o rapaz, procurando entrar em seu mundo e conhecer seus sentimentos. Vai aos estádios, participa dos jogos, conhece o time do moço, tudo fazendo para não desapontá-lo. Até que pensa estar grávida dele. E quer anunciar o fato com pompa e circunstância.

Neste ínterim, surge uma viagem de negócios a Paris. Ela decide por trocar a passagem de primeira classe por duas econômicas, só para tê-lo ao seu lado e poder anunciar ao rapaz o que para ela é uma grande notícia. Ele, porém prefere assistir a uma partida do Red Sox a viajar com ela. É o início das decepções. “Todas as coisas que você sente por aquele time eu também sinto; mas, por você!” A garota está decepcionada. Percebe-se a diferença dos dois mundos. Há aqui um pasticho das realidades masculina e feminina. O homem mais racional e descompromissado. A mulher mais afetiva e voltada para os sentimentos.

A garota é inteligente, bonita, engraçada até. Ele, muito espirituoso, vive um personagem que também demonstra afeto, mas, por questões traumáticas da infância (separação dos pais) incorpora o time de beisebol como o elo com seu mundo afetivo, para quem vai descarregar toda a soma negativa de frustração e desejo que lhe dominou a infância. É sabido que os esportes coletivos - motivadores de grandes platéias a lotar estádios e ginásios -, são válvula de escape das inseguranças e provedores de excelentes ambientes para catarse pessoal. Ben esconde sua ansiedade como adulto, naqueles embates interiores que experimenta concomitantemente com os torneios de beisebol que freqüenta. Isso se dá em sua vida desde que fora iniciado nesta prática pelo tio, e prosseguira com a herança da cadeira cativa e do direito aos ingressos anuais para cada temporada, quando este falecera.

Para bem do casal em crise, a gravidez foi só um susto. Tem início a fase de acomodação de interesses e maturidade na vida do casal. Ele tinha que ajustar-se, mas ela também. Se ele tinha a predileção pelo esporte ela também poderia ser acusada de workaholic (quem tem vício de trabalhar desmesuradamente). Se ela tinha desconfianças quanto ao seu interesse excessivo pelos jogos, ele se questionava porque ela chegara aos 30 sem se casar. Vemos aqui como casais precisam do diálogo para se entender e para entenderem o universo interior e exterior que compõem suas vidas.

Quando decidem finalmente viver momentos só para os dois, e foi epopéico o dia em que ele não foi ao jogo dos Red Sox, algo de especial tinha que acontecer. A expressão de Ben para a amada revela seu estado de ânimo: “Essa foi a melhor noite da minha vida!” Mas ela estava angustiada com o fato de ele ter perdido um jogo de seu time de paixão: “Querida, é apenas um jogo...”

Pois foi exatamente este jogo, que tinha tudo para ser apenas mais um jogo, já que os Red Sox de há muito só vinham perdendo na Liga, que se tornou o grande jogo daquele time. Depois de 23 anos sem deixar de assistir a um jogo sequer de seu time. Exatamente, quando deixa de ir, o time ganha. Pela televisão, os noticiários, rádio, ligações telefônicas dos amigos que estavam nas imediações do estádio, Ben se dá conta que não viveu o melhor momento de torcedor de sua vida, simplesmente porque não estava onde deveria estar: no estádio. Não agüenta de tanta frustração. E passa essa carga emocional para a amada.

Lindsey fica arrasada com tudo o que vê no rapaz que ainda não estava curado de seu mal. A melhor noite de sua vida, repentinamente, se transforma na pior noite de sua existência. Seu instinto desportista reassume o comando e ele está atormentado com tudo o que passa. É o fim para o relacionamento? Tudo indica que sim. Há um tremor, um abalo, na relação. Ele volta aos seus jogos e ela à intensidade de seu trabalho, pois almeja ardentemente uma promoção. Paralelamente a tudo isso, surge um outro rapaz, que tudo leva a crer está também interessado nela.

É neste instante de ampla crise, que o casal encontra tempo para refletir sobre o que lhe ocorre. Isto começa com Ben que, no estádio, é questionado pelos amigos da ausência da namorada. O que vale mais? Uma cadeira cativa para torcer pelo time do coração ou alguém que lhe preenche o coração e o faz feliz? O rapaz decide ir à casa da moça para tentar reatar o relacionamento que estava estremecido, mas, Lindsey, já não tem tanta segurança do que quer: “Eu pensei que um dia você iria transferir todo o seu amor do time para mim...”

Vale a pena refletir sobre esta questão. Quantas pessoas entram num relacionamento achando que vão mudar o outro. Submetem-se ao que não gostam no hoje em busca de um futuro incerto que pode não acontecer. As mulheres estão mais dispostas a pagar este preço. São mais sentimentais. Mas, ninguém muda ninguém. Nem Deus, quando a pessoa não está disposta a deixar que Ele mude. Isto, porque até Deus respeita a nossa individualidade pela presença do livre arbítrio que Ele próprio nos atribuiu.

Quando a moça descobre que Ben está disposto a abrir mão do que lhe era mais precioso, ela decide correr atrás de seu amor. É neste momento que ocorrem as cenas mais românticas e intensas do filme (que vou deixar para o leitor assistir e concluir por si mesmo). Ela questiona o rapaz; “Você seria capaz de abrir mão do que você mais gosta por mim? Então eu te quero!”

Quando ela percebe que ele está abrindo mão de sua vida por ela, então a equação se muda em sua vida: “Você não precisa abrir mão do que você gosta por mim. Eu vou me adaptar a você...” O que o homem e a mulher querem e precisam saber é que são amados. Que não serão trocados por nada neste mundo. Que têm valor um para o outro. Quando há uma demonstração clara e inequívoca disso; quando se sentem seguros com o amor demonstrado, então, o resto é resto. Ninguém gosta de ser trocado por nada. Nem por um jogo, time, ou qualquer outra coisa.

É neste instante que o casal encontra o ajuste do amor. Na tensão do amor, o casal deve estar disposto a sacrificar algo pelo outro, ou pelo relacionamento com o outro. O casamento, o relacionamento, deve ser maior que qualquer coisa individual que nos absorva e envolva.

Vale a pena assistir ao filme. É garantia de umas boas risadas. Mas, vale a pena, refletir sobre as questões que o filme levanta, pois o relacionamento de um casal precisa do equilíbrio de investimento à altura de sua importância.

Jess
Enviado por Jess em 16/04/2007
Reeditado em 19/04/2007
Código do texto: T451444