O “ATERRORIZANTE” ANTES DA MEIA-NOITE

Jesse e Celine mergulhando na noite eterna. Sinceramente, penso que o matrimônio – não o sacramento, mas a união de fato – é uma grande invenção humana, na falta de outra melhor que a possa substituir. E hoje me convenci de que a trilogia composta por Antes do Amanhecer, Antes do Por do Sol e agora este último, Antes da Meia-Noite (Before Midnight, 2013), do cineasta Richard Linklater, mais do que um colírio para os neo-românticos do mundo, são filmes de terror. Desde o primeiro filme eu já tinha isso em mim, mas não tinha formulado bem, a ponto de sintetizar tanto: filmes de terror. Eles me provocam lágrimas e medo. Ou será que todos os bons filmes românticos causam, no fim das contas, medo? Eu não sentia tanto pavor diante de um drama romântico desde o excelente Foi Apenas um Sonho (Revolutionary Road, 2008), de Sam Mendes, com Leonardo Di Caprio e Kate Winslet.

Em Antes da Meia-Noite, o casal Jesse e Celine (interpretado pelos maduros e convincentes Ethan Hawke e Julie Delpy) está mais amargo do que nos filmes anteriores, assim como menos cínico. Não há anacronismo na trilogia. Parece que a vida deles transcorre em tempo real, junto com a nossa. Se eles se conheceram em 1994 (ano do primeiro filme), 19 anos depois, o que vemos é exatamente um casal que se conhece há 19 anos. E este é também o tempo que nós, espectadores, os conhecemos. Isso dá um tom tão real à coisa toda, o que faz com que tudo fique bem mais verossímil. Além disso, Jesse e Celine são figuras muito comuns e parecem ser mais de carne e osso do que a média dos casais do cinema, apesar da profissão assumida por Jesse: escritor. Mas Celine, por exemplo, transformou-se numa dona de casa, tipicamente frustrada após seu passado de jovem ativista/feminista. Os problemas enfrentados pelo casal desta vez estão mais no campo prático e emergente, de quem não tem mais muito tempo a perder, e isso nos toca, nos aproxima deles. E quando eu digo nós, coloco-me – juntamente com os cinéfilos que se apaixonaram pelo primeiro filme – na posição de quem envelheceu junto com Celine e Jesse, e de quem, como eles, não tem mais tanto tempo a dedicar aos sonhos pueris, já que o tempo não pára e vida é tão curta... e é uma só. De fato, o tema “morte” aparece de novo nas conversas do casal, mas desta vez com um peso adicional advindo do fato de que já vislumbram a enorme possibilidade de estarem juntos até o fim. Numa parte do diálogo do filme eles exercitam imaginar como serão seus velórios, como estarão vestidos na ocasião, e o fato quase certo de que um estará presente no funeral do outro que morrer primeiro.

Jesse e Celine estão de férias na Grécia, hospedados na casa de amigos, e ainda não sabem que lá tomarão a decisão mais importante de suas vidas. A princípio somos iludidos a respeito do assunto da decisão. Somos enganados a pensar que se refere à dúvida sobre mudarem-se ou não para os Estados Unidos, onde mora o filho amado do primeiro casamento de Jesse, ou se ficam mesmo em Paris apenas com as gêmeas. São lindas as filhas do casal, mas as crianças – e nisso também o filho de Jesse –, apesar de serem assunto de quase todo o filme, aparecem bem pouco, com os atores mirins tendo papéis de uma coadjuvância incomum, dada a pequena participação “física”. A verdade sobre o centro da trama de Antes da Meia Noite é, no fim das contas, algo que nos surpreende. Depois de tanto falarem em crianças, de Celine exibir seus seios ainda muito lindos, apesar dos 40 anos (é a primeira fez que temos a semi-nudez de Julie Delpy na trilogia), discutirem da forma mais severa que nos outros filmes – afinal agora eles são um casal “de fato” e brigam mesmo –, o que virá marcar suas vidas na viagem ao Mediterrâneo é uma decisão: pretendem eles estarem juntos até que a morte os separe? Este, sim, o ponto decisivo a fechar a saga de Celine e Jesse. Eu não posso dizer mais sobre isso. É bom verem o filme pra saber. Um filme, aliás, lindo. Se não traz a novidade do primeiro ou a ousadia estética do segundo (ou mesmo se não é tão bom quanto eles: e não é), Antes da Meia Noite não poderia ser mais coerente. O diretor Richard Linklater amadureceu, os atores amadureceram, os personagens também, nós, expectadores, também. Diante disso, é de se esperar que se perca um pouco do brilho nos olhos. Obviamente isso assombra o filme, faz dele mais opaco, menos feliz. O peso das decisões de quem tem 40 anos é incrivelmente maior do que quem tem 20, e este peso assombroso é visível sobre os ombros de nossos heróis. É por isso, entre outras coisas, que o associo a um filme de terror. Talvez a vida seja feita de beleza e medo.

(L.F.)