Anáilise psicanalítica: BIRDY - Asas da Liberdade

Análise filme:

ASAS DA LIBERDADE (Birdy). Direção: Alan Parker. Produção: Allan Marshall. EUA: 1985. Drama. 1 videocassete (98 min), VHS, NTSC, son., color. . Baseado no livro "Birdy", de William Wharton.

PRISIONEIROS DA REALIDADE

Freud ao descobrir o inconsciente propiciou uma ferida no narcisismo ocidental, ao afirmar que o homem não controla e domina mais tudo, suas motivações são irracionais, sendo elas de natureza sexual e agressiva. Manifestando ou não uma doença, somos de certa forma, reféns de nossa natureza desconhecida. Com base nisso, podemos identificar em Birdy a confirmação para tal proposição, ao revelar uma característica patológica (manifestação da doença, de uma tendência) em que encontra sua estrutura de personalidade, junto a isso, a capacidade de fuga da realidade, dificuldade de domínio do real propiciado por seu aparelho psíquico regressivo, frágil e primitivo.

Para tal análise de uma estrutura identificada, nesse caso evidenciada sendo uma estrutura de base psicótica, deve-se primeiramente remeter as origens de tal problema, ou seja: a infância. Porém, devido à falta de dados, a única coisa a ser feita é criar hipóteses dos fatos ocorridos durante o desenvolvimento, baseados nos comportamentos identificados durante o filme, já que o rapaz se encontrava numa fase de transição entre a adolescência e a vida adulta, iniciando as manifestações da doença.

Uma pessoa caracterizada com uma estrutura psicótica teve frustrações/gratificações em excesso muito precocemente, fazendo com que o ego se fixe nas primeiras fases da vida (oral e anal), ocasionando assim uma falha na organização narcisista. Há uma relação fusional com a mãe, onde o ego fica sem capacidade de síntese ou integração, ocasionando uma fragmentação, fragilidade do mesmo, resultando na construção de uma neo-realidade por parte da criança, mais tarde manifestada ou não no futuro adulto.

Evidencia-se que a relação entre Birdy e a mãe é de superproteção e de autoritarismo, mas isso não está correlacionado a um vinculo prazeroso, mas sim numa dependência partilhada de uma frieza emocional da figura materna (relação tóxica). Quanto ao pai nota-se que não há uma manifestação concreta de seu papel, devido a essa sobreposição da mãe, mesmo que durante o filme se identifica uma relação afetiva entre ambos (pai e filho). Sendo assim, não há rivalidade, o que leva a uma relação dual (mãe-filho) durante o Complexo de Édipo, ao invés de uma relação tripartite (mãe-filho-pai), e como conseqüência disso há uma desorganização do superego, levando nesse caso, Birdy a ser movido por uma “irracionalidade” (prevalece id), pela busca incessante por coisas que lhe gratificassem; muitas vezes reprovadas socialmente. Tendo em vista isso, o personagem, já identificado como psicótico é caracterizado por apresentar uma estrutura esquizofrênica, na qual acontece uma cisão com a realidade promovida em momentos de crises, onde não há uma capacidade suficiente para suportar certos lutos, nesse caso aparenta ser o de separação.

Mencionado esses possíveis aspectos da infância, e da relação epídica, na formação da personalidade, visualizo duas cenas em particular que manifestam essa fixação ocorrida: a primeira quando em posição fetal, nu, ele aparenta indicar que seu inconsciente manifesta uma rejeição ocasionada durante a gestação e os primeiros meses, um descuido, abandono, que o deixou de certa forma desprotegido, isolado; em segundo, durante a tentativa de uma relação sexual, ele não identifica o seio como uma fonte de prazer, mas apenas como algo físico/fisiológico, isso indica além de uma sexualidade infantilizada (própria da estrutura), que houve novamente uma rejeição por parte da mãe, já que sendo a estrutura esquizofrênica acometida durante a fase oral I, que é a de sucção, ocorreu uma negação do seio (primeiros vínculos) primeiro objeto de prazer na qual a criança se sacia e obtém afeto e proteção.

Todas essas questões do inconsciente, da desestruturação do ego, desencadeiam na formação de uma nova realidade. Para Birdy essa realidade é vivenciada, compartilhada com os pássaros, devido talvez, a possibilidade de voar e se libertar de algo (asas da liberdade – liberdade do condicionamento fusional com a mãe?). Essa relação objetal que ele desenvolve faz com que durante as crises de surto ele se projete como sendo uma ave; evidenciado durante um sonho no qual ele se imagina como sendo um destes, voando acima da realidade social e familiar insuportável, desamparadora que o cerca (deslocamento – condensação – simbolização). Essa projeção chega ao ponto de fazer com que o personagem se auto-erotize na convivência com os pássaros e não consiga manter uma relação genital com a pessoa do sexo oposto.

Quanto aos relacionamentos extra-familiares, surge então à figura do amigo. Primeiramente, nota-se uma tendência autista por parte de Birdy, de se manter isolado ante as pessoas locais, coisa que se alterou com a convivência com o outro jovem. Este, muitas vezes foi induzido pelas fugas de realidade (querer voar, ser pássaro) do companheiro, mas outras, serviu até mesmo de um superego auxiliar, sempre tentando converter esses delírios em coisas que fossem “socialmente aceitas” (sexo).

Vários foram os momentos em que Birdy oscilou entre períodos de realidade e de fuga, uns com mais intensidade e outros menos. Mas o determinante para que o surto atingisse o ponto dele totalmente se deslocar e se entregar o tempo todo ao condicionamento alucinante da estrutura foi durante a guerra (Vietnã), onde evidencia-se que ele reviveu períodos de abandonos, angústia, separação já provenientes de fases bem primitivas. O choque levou-o a ser encarcerado em um manicômio de exército, totalmente inapropriado – visão arcaica da manifestação e cura da doença. É neste momento também, que novamente nos deparamos com a figura do amigo, que devido a ferimentos retorna e conseqüentemente se depara a situação de Birdy, uma pássaro humano aprisionado. Neste ponto, começa então a tentativa de o trazer a realidade novamente. No entanto, para o amigo, há outra implicação, a das questões pessoais relacionadas a uma descontrole ante a perda da aparência física, agora desfigurada, que o leva a tal dissociação que quase o consome (aparenta tendência melancólica, depressão – negação dor).

É com uma dose de humor, que o filme termina com o retorno a fase lúcida de Birdy ao evidenciar uma nova perda, a do amigo; a angústia de separação faz com que o seu superego se estabilize novamente. O que fica é o seguinte: todos nós somos levados a criar nossa própria realidade, uns a criam de tal forma que são totalmente dominados e aprisionados a ela, devido a fixações que lhe são específicas. No entanto, cada um tem a capacidade de se libertar; Birdy criou asas e nós criamos o que? Geralmente o que nos é imposto socialmente: recalque. Mas será que somos totalmente cientes de nossas intenções para podermos ser considerados ‘normais’ e não ‘loucos’ como Birdy?

ThOuGhTfUl
Enviado por ThOuGhTfUl em 23/04/2007
Código do texto: T461404