Uma questão de flexibilidade moral

Uma comédia diferente: toques de humor negro, drama e até questões políticas e morais. O filme Obrigado por fumar (2006, EUA), dirigido por Jason Reitman e baseado na obra homônima de Christopher Buckley, mostra o trabalho de um grande empresário do ramo do tabaco. Ele é Nick Naylor (Aaron Eckhart), um homem com jeito de galã e uma lábia nunca vista antes. Seu trabalho: convencer um grande número de pessoas no mundo que o cigarro não faz um mal tão grande assim. Isso mesmo! Ele tenta mostrar à “geração-saúde” que a mídia trata com sensacionalismo as doenças que o tabaco causa. Em todos os debates consegue inverter a situação e faz com que autoridades e médicos pareçam idiotas.

Podemos ver um quê político em diversas partes do filme. Ele faz claramente uma crítica ao governo americano e sua nação capitalista. Em determinado momento do filme, o filho de do protagonista Nick Naylor está fazendo sua lição de casa cuja pergunta é: “Porque o governo americano é o melhor do mundo?”. Surpreso com a pergunta feita pela tal professora, Nick começa a bombardear o governo de seu país com duras críticas e argumentos sustentáveis, fazendo com que seu filho aprenda a questionar e não a aceitar tudo o que lhe é imposto.

Além da crítica às autoridades americanas, o filme mostra também a ambição do ser humano. Quanto vale sua dignidade para conseguir o que deseja? Para alguns não tem preço, e essa minoria não está nem um pouco enfatizada no longa-metragem. Além de Naylor, existem outros personagens que merecem destaque: Poll Bailey (Maria Bello), também porta-voz e defensora de uma indústria influente de álcool e Bobby Jay Bliss (David Koechner), que tem o mesmo cargo de Poll, mas trabalha para uma empresa de segurança que organiza venda de armas nos Estados Unidos. Trabalhar a favor de três causas de tantas mortes (tabaco, álcool e armas de fogo) é um tanto inquietante. Eles se reúnem ocasionalmente para beber e falar de seus trabalhos “sujos” em troco de regalias e uma boa quantidade de dinheiro com uma tranquilidade absurda, como se estivessem falando de um trabalho comum e rotineiro de uma dona-de-casa. Além desses personagens, eis que aparece outra figura ambiciosa: a jornalista Heather Holloway (Katie Holmes), que usa de meios maliciosos para tirar informações preciosas do polêmico Nick. Ela literalmente o usou (palavras de Naylor). Com essa maré de ambições, alguém ali havia de sair prejudicado. E, claro, o nosso protagonista leva um golpe da jornalista do Washington Probe. A partir daí, surge um fato não tão novo: a inversão de papéis. Passamos o filme inteiro torcendo pela vitória de um representante de cigarros e achando os moralistas e defensores da saúde absurdamente chatos. Quem deveria ser o antagonista atrai a simpatia do público por seu jeito libertário e por suas opiniões formadas. Já o politicamente correto é apenas um sujeito que defende algo que já saiu dos parâmetros de conserto.

Uma coisa interessante e que nos faz pensar é a flexibilidade moral de cada um. Somos capazes de fazer algo considerado imoral para conseguir estabilidade financeira e conseguir dormir a noite? O quanto é forte o poder do julgamento próprio e de outros em nossa vida? Mesmo com algumas questões complexas, o filme não é chato nem de longe. Ótimas atuações, efeitos especiais mínimos e uma trilha sonora simples, pode-se considerar como um filme limpo, gostoso de ver e, o principal: com conteúdo.

Gabriela Gusman
Enviado por Gabriela Gusman em 24/04/2007
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