Melancolia em pequenas e densas doses

Do diretor dinamarquês Lars von Trier – e do gênero Ficção Científica – Melancolia é, antes de mais nada, uma contemplação do próprio fato de existir. Um drama psicológico denso, em doses de múltiplas sensações. Um filme sem meio termo e sem meio gostar, cabem aqui os extremos das opiniões: ou se ama ou se desencanta. Enquanto isso, vai-se digerindo.

Como em outros mais trabalhos de Lars, Melancolia mergulha na total visão feminina dos fatos. Michael (Alexander Skarsgard) e John (Kiefer Sutherland) são coadjuvantes de uma trama pautada pelas peculiaridades de Justine (Kirsten Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg). E isso se torna notório também a partir da escolha por dividir o roteiro em duas partes: a primeira denominada Justine e a segunda que recebe o nome de Claire. E ainda que os capítulos, de antemão, pareçam sem ligação contínua e quebra de fatos, há claramente a expressão de visões diferenciadas sobre um mesmo fato e não há quem não perceba o tom de desgosto do autor, Lars, com relação à sociedade, em que a situação está à beira de uma catástrofe.

E se ali se usa do gênero ficção científica para definir o polêmico filme, o fato da colisão dos planetas Terra e Melancolia nada mais é que plano de fundo na primeira parte e vai se tornando mais presente na segunda metade. O filme-catástrofe envolve, antes do que qualquer fator físico, o lado psicológico das personagens protagonistas. É a metáfora da colisão de estados de espírito.

Desde o princípio nota-se o contraste entre planos, diálogos, silêncios e situações. A introdução acontece durante aproximados dez minutos do filme em planos mortos, em câmera lentíssima e detalhes sutis, e resumem muito bem o que se pode esperar da trama de 130 minutos.

Logo depois da apresentação dos personagens, o título entra em cena e com ele a primeira metade. A presença de câmera inquieta na mão, de cortes abruptos, pequenos desfoques propositais, supercloses e combinação de trilha clássica intensa e silêncio acompanha grande parte do desenlace. Características essas que remontam a alguns dos princípios clássicos do denominado manifesto Dogma 95, fundado por Lars e Thomas Vinterberg.

Direção de fotografia primorosa de Manuel Alberto Claro e trilha indispensável para guiar o espectador. Melancolia é um filme-desastre de contemplação e auto-avaliação da condição enquanto ser que vive ou sobrevive dia após dia em uma batalha de egos. Impera o egoísmo, o decadente, o extremo, o estranho.