Artimanhas em “O Poder e a Lei”

Um machão bonitão bem à moda antiga, uma estética à la anos 70. Um advogado, pai de família separado e que circula em Beverly Hills com seu motorista-cúmplice em um Ford Lincoln. Mickey Haller, interpretado por Matthew McConaughey, é um profissional de princípios éticos duvidosos.

O clima de cinismo se anuncia logo na abertura com a canção Ain’t no love in the heart of the city (Não há amor no coração da cidade), interpretada pela Bobby “Blue” Band. É o elemento principal da personalidade do protagonista.

A adaptação ao cinema do livro Advogado de Porta de Cadeia, de Michael Connelly, envolve um elemento poderoso nos tempos atuais: nada mais injusto que a própria lei. E aquele cenário de glamour, de homens engravatados, ternos caros, pastas, papéis e mais papéis e belas assistentes é desfeito em questão de segundos, desde o princípio da trama. O Poder e a Lei mostra os meandros do sistema jurídico norte-americano em uma Los Angeles perversa. E um clima pra lá de brasileiro também. Talvez, por isso, salas e salas lotadas.

Entre os casos e as defesas de segunda categoria, Haller tem no automóvel o próprio escritório, momentos em que também acontecem passagens da trama. As sequências no carro, digamos, são mais leves, dinâmicas e descontraídas. Mas é claro que a trilha despojada e bem ao estilo “vou levando” contribui.

No entanto, é quando deixa o velho Ford Lincoln que a temperatura das cenas é alterada. A presença do primeiro plano insiste na ideia de tensão e motiva o espectador a se projetar para dentro da tela de cinema. E os 118 minutos do filme se vão facilmente.

O roteiro de John Romano explora com sagacidade o drama que um advogado passa a viver quando percebe que está sendo ludibriado pelo próprio cliente. Onde ficam as questões éticas e morais?

E se a atuação do protagonista é tida como uma das melhores de Matthew McConaughey, o restante do elenco não fica atrás. Marisa Tomei dá densidade à personagem da defensora pública Maggie McPherson, ex-mulher de Haller, com quem tem uma filha pequena. William H. Macy está perfeito como o investigador que opera nas sombras da lei. Ryan Phillipe não compromete como o riquinho cínico. E Michael Peña faz um convincente preso, Jesus Martinez, um papel pequeno, mas fundamental.

Trilha e montagem fazem de O Poder e a Lei um drama instigante do começo ao fim. Com elementos noir, o filme combina bem aspectos clássicos e moderno. Um filme adulto, que foge aos atuais padrões hollywoodianos, mas que não deixa de lado seu atrativo ar comercial. Entretenimento de qualidade. Vale a pena.