A vida secreta de Walter Mitt - Uma lição de vida e o facebook.

O que achei: Gostei, me deu vontade de viver.

Pontos fortes: O filme consegue concatenar muito bem seus assuntos, a jornada transformadora, o romance e o debate sobre o mundo mudando.

Ponto fraco: Gostaria de um filme menos exagerado. Tanto nos sonhos que Mitt tem acordado como nas aventuras que vive. Acho que aproximaria mais ao expectador.

Acabei de ver com uma senção gostosa que antigamente eu sentia com mais frequência: a de vontade de viver! Antes bastava ouvir uma música ou um filme especial para esta vontade explodir em meu peito. Este é um filme muito bem feitinho, mas não basta uma obra de arte ser boa para nos tocar. Tem que nos dizer algo. Neste caso o filme trata de questões que me tocaram ao longo da minha vida. Walter Mitt trabalha na Time Life – a primeira coisa que eu li depois de Asterix foi um livro desta editora chamado ‘Os Insetos’. Segundamente o filme trata de um sonhador... meu modo de sonhar é um pouco diferente do de Mitt – ele fica parado divagando, eu caminhava de um lado para o outro. Mas essencialmente é a mesma coisa. Terceiramente o filme trata de viver em plenitude – esta foi uma questão importantíssima na minha adolescência e voltou a sê-lo há uns anos. O último tema, o que torna este filme especial é o foco da minha resenha e já está presente nos primeiros minutos de filme.

Mitt está lendo um site de relacionamento. Lê um perfil engraçado de uma bela mulher. Depois de tomar muita coragem ele vai ‘dar uma piscadinha’. Quem experimentou o Tinder ou outro site de relacionamento sabe que o tempo que levamos para avaliar um perfil e dar um ‘coração’ ou um ‘X’ (isto é, demonstrar interesse ou desinteresse) geralmente leva bem menos de dois minutos. Por que Mitt demora tanto a criar coragem e dar o sim? Três motivos: Ela não é uma desconhecida, é uma colega de trabalho – ele só entrou no site por ela. Segundo, ele é uma pessoa contida, tímida. Terceiro, ele é uma pessoa de outro tempo. Para ele dar um clique mostrar interesse é algo pouco trivial – diferentemente do que ocorre com alguém que cresceu imerso em ‘curtir’ do facebook.

As revistas Time e Life já foram as revistas semanais mais populares nos EUA. Isto dá uma ideia da grandeza da editora, mas não do seu espírito. Era uma editora que investia muito em imagens, em história natural, vários livros e revistas abarcando os recantos do mundo. Isto é de fato muito, muito importante para entender o filme. Era um lugar onde várias pessoas desejavam trabalhar – pois de certa maneira trabalhar lá é contribuir para aquele sonho aventuresco. Eu fiz biologia e lembro de colegas que cujo desejo mais profundo era trabalhar fazendo vídeos acompanhando animais na Discovery Channel, trabalhar na Time Life seria algo parecido a isto. Assim que Mitt chega no trabalho descobre que a editora foi vendida e deixará de ter sua versão impressa! A revista tal qual várias gerações conheceu irá desaparecer. O que é horrível. Mas também a oportunidade de participar da criação da última revista impressa, um momento melancólico, mas histórico. E o melhor de tudo, Walter Mitt recebeu o negativo de um grande fotógrafo (Sean O’Connell) de uma foto que é a ‘quintecência da vida’ para ser a capa desta última revista! Só que.... Walter Mitt perdeu o negativo desta foto :( Walter Mitt resolve investigar as outras fotos que estão no rolo para ver se alguma dá a dica de onde o O’Connell está. Assim quem sabe a foto ainda está com ele?

Temos as premissas dramáticas. A primeia o desafio de seduzir Cherly Melhoff (sua colega de trabalho por quem cai de amores). A segunda é o desafio de encontrar o negativo cuja foto é a ‘quintecência da vida’. Mitt – com um certo incentivo de Cherly – vai atrás de Sean O’Connell. E a busca é muito interessante pois O’Connell é um grande aventureiro que se mete na Groelância (para fotografar pescadores), na Islândia (para fotografar um vulcão em erupção), no Afeganistão (para fotografar Leões da Montanha)... E Mitt, aquele cara que nunca viajou, vai a todos estes lugares em busca do seu negativo, sempre seguindo as pistas que o grande fotógrafo O’Connell deixa para trás. Só que... olhem que intrigante, as pistas eram sempre coisas relacionadas a vida de Mitt. Uma anotação em um papel do bolo feito pela mãe do Mitt, uma foto de um piano que Mitt guardava como recordação de seu pai... Auspicioso, não? A busca era de fato pela foto... quer dizer, será que era mesmo? O que era aquela foto? O que ela representava? Por que as dicas que levam Mitt a percorrer o mundo são também dicas que levam a si próprio? No começo é claro que seu emprego dependia da foto, mas por que buscá-la após ter sido demitido? Talvez – e acho que isto é bem comum – o mais importante não seja o alvo (no caso a foto) mas o caminho. Foi atravessá-lo que transformou Mitt. Que fez ele ter coragem de olhar o seu ex-chefe e falar com ele com toda confiança de igual para igual. Foi esta jornada que o fez ter coragem de pegar na mão de Cheryl Melhof.

No sentido de pensar a respeito da jornada que cada um de nós vive são extremamente geniais as conversas que Mitt tem com a assistência do site de relacionamento. É a metáfora perfeita para as redes sociais (como o próprio Facebook). Ao longo do filme Mitt conversa com o cara da assistência em busca de resolver o problema que enfrenta no site e assim conseguir dar a piscadinha para sua desejada Chryl Melhof. Logo de cara a pessoa que conversa nota que Mitt deixou diversos campos em aberto – Mitt diz que não há nada digno de nota... como se não tivesse vivido. Ou melhor. Como se viver fosse apenas as coisas que colocamos em público para todos verem com o intuito de criar uma imagem interessante de nós mesmos. Talvez não fosse romântico colocar ‘Larguei a prática de skate na adolescência quando meu pai morreu e fui forçado a trabalhar em uma pizzaria’. Mas certamente esta experiência é viver!

Em meio a uma das viagens para encontrar Sean O’Connell (o grande fotógrafo) Mitt está sozinho em uma montanha em um frio que congela sua barba e em um ar rarefeito que torna todo movimento mais cansativo. Daí liga o cara da assistência e pergunta o que Mitt está fazendo. Acho esta cena a mais maravilhosa do filme. Mitt diz que está subindo a tal montanha, diz as coisas que fez. Por que isto é tão importante? Porque é uma cena engraçada? Certamente há um humor ali. Mas o ponto crucial é que Mitt tem uma testemunha para suas aventuras, um público. Ele tem seu facebook (o cara da assistência representa as mídias sociais). De que adianta encontrar senhores da Guerra e servir bolinho da mamãe a eles se ninguém fica sabendo? Uma vez fiquei com uma menina incrível. Ela me disse que sente como se não houvesse lido uma matéria se ela não fosse compartilhada na face. O fato é que Walter Mitt parece nem dar tanta bola ao cara da assistência e segue caminhando até que... encontra seu procurado Sean O’Connell! Eles têm uma conversa bacana e tocante. Não falarei dela, vocês terão que ver o filme. Mas falo de algo incrível que aconteceu: Apareceu o tal leão, o ‘Gato Fantasma’ tão difícil de ser fotografado. Sean apenas fica contemplando aquele belo felino entre as pedras. Mitt pergunta, ‘Você não vai tirar a foto?’. ‘As vezes’ – responde O’Connell – ‘quando o momento me envolve muito apenas contempo. Tirar a foto me distrai.’ E ficam ambos contemplando o Leão.

Entendem? O filme é sobre a mudança de tempo! É sobre a mídia impressa perder aforça para a mídia impressa. É sobre paquerar uma menina através de um site de relacionamento ao invés de abordá-la pessoalmente. É sobre vivermos um mundo de imagens em que é mais importante mostrar do que apreciar o momento. É mais importante focar nossa atenção no registro virutal – para podermos mostrar para todos nossos 300 amigos onde estamos – do que se concentrar no momento. Bem, o filme se posiciona de uma maneira pessimista sobre estas novas teconologias. Entendo. O velho sempre se assusta com o novo. As crítica são pertinentes, de qualquer modo...

Há que se considerar que todo debate ao redor deste mundo virtual que nos engole com tanta força por mais interessante que seja é apenas o pano de fundo para algo mais importante: A jornada transformadora em que Mitt muda. Ele deixa de sonhar que é um grande aventureiro para se tornar de fato um grande aventureiro. O filme, neste sentido é muito bem feito. Passa a mensagem claramente e com muita competência. Entretanto preferiria que a jornada pela qual Mitt passa fosse um pouco menos incrível. Afinal, gente, viver não é apenas descer uma montanha de skate enquanto um vulcão está prestes a erupir. Viver também é sentar a bunda na cadeira e escrever uma resenha de filme, certo ; ) Viver plenamente não é viver o extraordinário. É viver extraordinariamente mesmo que coisas triviais.