"Do Luto à Luta"

O documentário “Do Luto à Luta” trata de um tema difícil, a Síndrome de Down, de forma branda e poética. O diretor Evaldo Mocarzel, cujo filme anterior, “À margem da imagem”, trata de moradores de rua em São Paulo, é pai de uma menina com Down, o que o leva a afirmar que “não escolheu o tema, fora escolhido por ele”.

No estudo que faz sobre a Síndrome, Mocarzel desmistifica não só suposições errôneas do senso comum que a associam a diversas incapacidades como também, e principalmente, suposições e prognósticos da clínica médica às quais alguns pais são expostos por ocasião do nascimento de seus filhos.

O filme apresenta vários depoimentos de pais sobre o momento em que receberam a informação de que seu filho recém-nascido era portador da Síndrome de Down. Um deles nos conta como a notícia dada pelo médico viera acompanhada do revoltante prognóstico de que aquela criança de nada seria capaz, nem mesmo de andar (estaria fadada ao rastejo), e seguida do conselho: “não esperem nada dela”.

Ao mostrar como esses pais superaram a dor inicial (do luto), desconsideraram tais prognósticos (à luta) e possibilitaram o pleno desenvolvimento de seus filhos, o documentário salta da especificidade genética (a Síndrome de Down é resultado de uma alteração cromossômica) para a especificidade humana.

Quem de nós caminharia se, por nos suporem fadados ao rastejo, não nos ensinassem a caminhar?

No documentário, vemos como os caminhos percorridos pelas pessoas portadoras da Síndrome são diversos. Vemos um adolescente que gosta de surfe e um adulto que gosta de whisky e leva jeito de boêmio, outro que é dado à erudição, e também uma garota muito inteligente e perspicaz que é atriz.

O que têm em comum essas pessoas além da alteração cromossômica?

Até mesmo os traços físicos comuns à Síndrome, que a levou a ser conhecida como mongolismo e a seus portadores como mongolóides, minimizam-se, na medida em que a peculiaridade do sujeito vem à tona.

Por outro lado, todos os portadores da Síndrome de Down entrevistados no filme têm plena consciência de sua “doença” e do preconceito que a cerca.

Mas a auto-imagem de cada um e a forma como sente o preconceito do qual é vitima é absolutamente singular.

Dois quadros, protagonizados pelos portadores da Síndrome, chamam a atenção pela emoção e pelo riso que provocam. O primeiro mostra uma banda tocando “Don`t let me down” com todos dançando e acompanhando a letra. E o segundo mostra a montagem de cenas sobre o nascimento de uma criança com Down. Em uma das cenas propostas, a mãe deverá morrer no parto para que o pai tenha que assumir o filho sozinho. Uma alfinetada feminista pra lá de bem humorada, que remete à fala de uma mãe sobre como o marido se afastou após o nascimento de seu filho Down.

No entanto, os pais entrevistados fazem depoimentos tão comoventes quanto os das mães, revelando-se “pais de verdade”, a exemplo do próprio Mocarzel cuja sensibilidade produziu este belíssimo filme.

No Festival de Cinema de Gramado deste ano, “Do Luto à Luta” dividiu o prêmio especial do júri, em sua categoria, com “Doutores da Alegria” de Mara Mourão. A expressão “filmes do bem” acompanhou alguns comentários sobre esta premiação: “filmes do bem conquistam prêmio em Gramado”, frase que me pareceu irônica. “Do Luto à Luta”, além de filme “do bem” é dos bons.

Rocio Novaes
Enviado por Rocio Novaes em 03/09/2005
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