O elefante que voava

O ELEFANTE QUE VOAVA
Miguel Carqueija

Existem obras cinematográficas que a gente acaba se obrigando a assistir diversas vezes ao longo da vida.
Não sei quantas vezes vi “Dumbo”, que o grande Walt Disney lançou em 1941. Mas é sempre gratificante. Há quem diga que salvou os Estúdios Disney já que “Pinicchio” e “Fantasia”. De 1940, não atingiram as bilheterias esperadas, embora com o tempo tenham se afirmado como clássicos inesquecíveis.
“Dumbo”, que adapta livro de Helen Aberson e Harold Perl, é uma singela e encantadora história de superação travestida em fábula de animais. Ali aparece o hoje tão discutido “bullyng”. Ser diferente dos outros e rejeitado por causa disso, eis o drama do elefantinho. E o que o tornava diferente eram somente as suas imensas orelhas.
Como vilões da história aparecem as elefantas fofoqueiras, que isolam a mãe de Dumbo — única, ao que parece, desprovida de preconceitos — e por fim resolvem fazer do elefantinho um pária, sem que nenhum mal ele houvesse feito. O dono do circo aparece como outro vilão, ao encarcerar a elefanta mãe, quando ela defende o filhote das agressões de uns garotos malvados que parecem saídos de “Pinóquio”.
O ratinho Timóteo é o justiceiro da história, quando resolve fazer amizade com Dumbo, protegê-lo e encaminhá-lo para o sucesso. Tudo se encaminha, como é amplamente sabido, para a sensacional descoberta do poder de vôo de Dumbo, graças ás suas descomunais orelhas que mais parecem asas.
Hoje em dia a sequência inicial, das cegonhas entregadoras de bebês, parece estranha já que a lenda da cegonha caiu em desuso mais ou menso total. O desenho tem também alguns pontos mal explicados, geralmente desconsiderados pelo aspecto infantil do argumento. Por exemplo, o que é o Timóteo na ordem das coisas? O que ele faz no circo? O número de animais — alguns deles enormes — parece exagerado; está mais para zoológico que para circo. Os palhaços também são muitos. Mas esses detalhes passam batidos para o público que assiste.
Há uma sequência surrealista deliciosa — quando Dumbo e Timóteo, acidentalmente embriagados, assistem uma estarrecedora parada de elefantes cor-de-rosa disformes. Uma passagem considerada antológica. Disney, aliás, volta e meia derivava para o surrealismo, como se vê em muitas passagens de “Os Três Cavaleiros” (1944) e no belíssimo “Alice no país das Maravilhas” (1951).
Quase ninguém tem nome em “Dumbo”; somente Timóteo e o personagem-título.
Uma questão que se apresenta é: por que Dumbo não fala? Outros animais da história falam entre si, inclusive os corvos amalandrados; Dumbo permanece silencioso. Talvez ainda não houvesse aprendido a falar, ou não falasse por timidez. Em todo o caso, mesmo mudo ele é muito expressivo, inclusive quando chora. “Dumbo” é um desenho que faz chorar, comovente e sentimental em extremo.

DUMBO – EUA, 1941. Produção: Walt Disney. Supervisão de direção: Ben Sharpsteen. Roteiro: Joe Grant e Dick Huemer. Direção de história: Otto Englander. Direção de sequências: Norman Ferguson, Wilfred Jackson, Bill Roberts, Jack Kinney e Sam Armstrong. Direção de animação: Vladimir Tytla, Fred Moore, Ward Kimball, John Counsbery, Art Babbitt e Woolie Reitherman. Música: Oliver Wallace e Frank Churchill. Canções: Ned Washington. Orquestração: Edward Plumb.

Rio de Janeiro, 2 e 3 de novembro de 2013.


imagem da franquia