O Ilusionista

Nos primeiros tempos, o homem primitivo estava imerso em uma realidade de sons e sensações. Impossível conceber como elas lhes pareciam ou imaginar o universo de percepções que cérebros primitivos produziam. De qualquer forma, é inerente ao ser humano procurar explicações para aquilo que não compreende. O homem precisa classificar informações, encaixá-las e, ao encontrar o encaixe que lhe parece suficientemente lógico, também encontra paz para suas inquietações.

É desse processo que surgiram os mitos e as religiões. Não se compreendia o nascer do sol e o cair da noite, os períodos de chuvas ou de secas, o nascimento e a morte. Fatos para os quais não se tinham explicações passaram a ser encarados como sobrenaturais e todas as civilizações desenvolveram seus mitos, lendas, deuses e religiões. Daí surgiram os sacerdotes, aqueles que eram os senhores dos “segredos”, que conheciam as respostas por influência dos deuses, como um Prometeu ou Hermes. Daí nasceu o misticismo e a magia.

A combinação da tradição cultural e mitológica, misturada ao medo provocado pela ignorância, tornaram os magos e bruxas temidos e respeitados ou temidos, porém atacados. Foi só a partir de Descartes e, posteriormente, do Iluminismo que surgiram os métodos de investigação científica e passou-se a identificar a magia com a ilusão e o sobrenatural como alvo de investigação científica.

“O Ilusionista” conta a história de um herdeiro das tradições mágicas e, em época de Harry Potter, oferece uma abordagem diferente, histórica e adulta. Não apresenta mágica mesclada a misticismo ou fantasia e sim como ilusão gerada pela investigação e planejamento metódico. O mágico aparece na forma em que é entendido atualmente, como um estrategista e um estudioso que gera um produto: a mágica ou “ilusionismo”.

Como diz Edward Norton, na entrevista que consta nos extras do DVD, “O Ilusionista” é um filme incomum. Não há muitos filmes ambientados na Viena de 1900 e nem que trata do universo dos mágicos de forma adulta e realista. Só por isso já se valeria a pena fazer o filme. Mas “O Ilusionista” tem muitos méritos. Além da ambientação e do direcionamento pouco explorado, o figurino é lindíssimo, o momento histórico é muito interessante, o roteiro é maravilhoso e Norton está muito bem, como sempre. Aliás, se eu estivesse caminhando pela rua e Edward Norton passasse por mim talvez eu nem notasse. Isso não porque ele não tenha lá seus atrativos, mas sim porque é um homem comum, normal. Não há nada de glamouroso nele, como em um Tom Cruise ou Brad Pitt, por exemplo. E essa característica é justamente um dos quesitos que fazem dele um grande ator. Ele não é exuberante, pelo contrário, é econômico em tudo e os grandes são justamente aqueles que conseguem colocar o máximo de significado em um simples mover de sobrancelhas.

É comum ouvir que Norton é “um dos melhores atores de sua geração”. Bem, para mim ele é o melhor, sem dúvida nenhuma. Para entender o motivo basta vê-lo em “Clube da Luta”, “A Outra História Americana”, “Vale Proibido” ou neste “O Ilusionista”. É um homem comum que faz de seus personagens seres humanos absolutamente convincentes e com muita personalidade. Neste trabalho Norton é Eisenheim, que em um primeiro momento é apenas Edward (Aaron Johnson), o filho de um camponês que se encanta pelas possibilidades dos truques mágicos e, em meio a seu estado de completa absorção pelas práticas da magia, acaba atraindo a atenção de uma mocinha, Sophie (Eleanor Tomlinson), que se torna sua companheira e amiga. O problema é que ela é membro da mais alta aristocracia e a relação entre os dois é proibida pela família dela, afinal uma aristocrata não podia se misturar ao campesinato. Depois de driblar a proibição por algum tempo, os dois são descoberto e separado. Edward resolve sair pelo mundo, continua estudando magia e se torna Eisenheim, o Ilusionista. É nesse ponto que o personagem surge como um adulto, interpretado por Norton, e que após muitos anos, retorna à sua cidade e reencontra Sophie (agora Jessica Biel), então quase noiva de um príncipe arrogante e violento (Leopold, Rufus Sewell), o herdeiro do trono da Áustria.

Eisenheim é um homem discreto e elegante, fala pouco e nunca deixa claro o que pensa. Suas atividades profissionais, em si, já colocam sobre ele um ar de mistério e, assim, ele conquista respeito e notoriedade. Porém, é temido pelo príncipe Leopold (que vê nele uma possível ameaça para suas ambições), impressão essa reforçada pelas provocações do próprio Eisenheim. Surge, então, o conflito central, entre o mágico e o príncipe que o mantém sob vigilância e procura afastá-lo de seu caminho por meio dos serviços de um comissário de polícia (Paul Giamatti) que, no entanto, admira Eisenheim. Os confrontos entre Norton e Giamatti são excelentes! Ambos conseguem criar uma atmosfera de tensão mesclado à identificação e respeito.

Consta que todos os truques executados por Eisenheim foram realmente feito por Edward Norton que estudou e praticou muito. Assim, sobrou muito pouco para a turma dos efeitos especiais. Mas o que prende a atenção no filme é mesmo o roteiro, escrito com base no conto “Eisenheim, o Ilusionista” do escritor Steven Millhauser (vencedor do Prêmio Pulitzer em 1997). Logo nas primeiras cenas há um corte seqüencial que parece um erro de edição, pois se passa por cima dele como se nada tivesse acontecido. Só mais adiante se vai compreender que a narrativa não é exatamente linear. Pessoalmente, incluo “O Ilusionista” a uma categoria de filmes com roteiro exemplares que usam a narrativa circular (como em "Pulp Fiction", "Clube da Luta", "Um Refúgio no Passado", "A Vila", entre muitos outros), mas faz isso de forma bem mais sutil.

Neste filme há também aquela sensação de surpresa agradável como a que se sente em "O Sexto Sentido", por exemplo, que é o resultado do truque do tipo “as coisas não são exatamente como você está vendo”. E isso caiu muito bem em um filme sobre um ilusionista, pois de certa forma o roteirista faz o que os ilusionistas costumam fazer: brinca com percepções. E, por fim, “O Ilusionista” deixa uma mensagem muito importante: por meio do informação, transformada em conhecimento, da visão estratégica e do planejamento metódico se pode fazer mágica, mas também se pode transformar vidas.

Título Original: The Illusionist

Lançamento (EUA / República Tcheca): 2006

Site Oficial: http://www.theillusionist.com

Direção: Neil Burger

Roteiro: Neil Burger, baseado em estória de Steven Millhauser

Música: Philip Glass

Fotografia: Dick Pope

Efeitos Especiais: Universal Production Partners

Elenco: Edward Norton (Eisenheim); Paul Giamatti (Inspetor-chefe Uhl); Jessica Biel (Sophie); Rufus Sewell (Príncipe Leopold); Eddie Marsan (Josef Fischer); Jake Wood (Jurka); Tom Fisher (Willigut); Vincent Franklin (Loschek); Philip McGough (Dr. Hofzinser); Michael Carter (Von Thurnburg); Aaron Johnson (Eisenheim - jovem); Eleanor Tomlinson (Sophie - jovem); Andreas Grothusen (Pai de Eisenheim); Brian Caspe (Assistente de Eisenheim).