Pecados Íntimos

Pecados Íntimos é uma obra imensa! Repleta de símbolos e significados a cada cena, a cada diálogo. Nada parece substituível, pois nada é por acaso. Nada é óbvio, pois tudo esta envolto na sensibilidade humana mais profunda. Os focos para análise são muitos e é interessante pensar nas várias camadas de interpretações e comentários cabíveis. Cada personagem, em si, merece um filme, tal a riqueza humana de cada um.

Kate Winslet é Sarah Pierce, a esposa insatisfeita às voltas com marido e filha. Gregg Edelman é Richard Pierce, o marido, profissionalmente bem sucedido, que substitui a esposa por sites de pornografia. Jennifer Connelly interpreta Katthy Adamson, a outra esposa que trabalha como documentarista, enquanto seu marido, Brad Adamson (Patrick Wilson), cuida do filho (Aaron Adamson, Ty Simpkins) e tenta ser aprovado nos exames da Ordem dos Advogados. Jackie Earle Halley aparece na pele do problemático Ronnie McGorvey, um exibicionista sexual, interessado em criancinhas, que após cumprir pena em uma penitenciária volta a morar com May McGorvey (Phyllis Somerville), sua amorosa e dedicada mãe, para contrariedade de toda a vizinhança. Ambos são perseguidos obsessivamente pelo ex-policial Larry Hedges (Noan Emmerich) que enche a cidade de cartazes contra Ronnie e olha os erros do outro para não encarar os seus próprios.

Também estão presentes as senhoras casadas a lidar com a vida doméstica cotidiana, com suas próprias fantasias, pudores e hipocrisias; as senhoras idosas que espantam o tédio em reuniões onde discutem literatura e tentam encontrar algum sentido em Madame Bovary. Há algo de comum em todos, são apenas crianças em corpos de adultos (as crianças do título original “Little Children”), angustiadas e perdidas entre aprender a ser feliz com o que têm ou virar a mesa em busca de viver suas fantasias.

Esta obra de Todd Field é antes um olhar sobre uma típica comunidade de classe média norte-americana, do que propriamente a história de algum protagonista. Enquanto descortina os anseios mais profundo da alma humana, o diretor situa essas almas no coração de uma comunidade cheia de convenções e normas de comportamento. O foco central é a relação que nasce entre Sarah e Brad. Ambos se conhecem no parque onde levam seus filhos para brincar. A aproximação inesperada, regada por suas insatisfações com a vida, faz aflorar uma amizade e novas possibilidades para aquelas existências monótonos. Sarah encontra em Brad a atenção, companheirismo e sensualidade que não encontra mais no próprio marido. E Brad vê nela uma alternativa para sua situação de marido desempregado que não sabe o que quer da vida.

Os dramas de Sarah e Brad se entrecruzam com os de outros. São todos personagens muito significativos e emblemáticos, lidando com seus medos, desilusões e fantasias. A narração se aproxima furtivamente para contar o que acontece naquela comunidade, sua visão mostra que vida individual e coletiva interagem e raramente sem conflitos, pois o preço da vida em sociedade é a consciência dos próprios atos e a responsabilidade pelas próprias escolhas frente à manutenção da ordem. Há renúncias implícitas e embora seja produto do meio, o ser humano nem sempre aceita suas regras feliz e sorrindo.

A pequena comunidade, por sua vez, não é um mero pano de fundo, ela se oferece e cobra um preço: a submissão às suas convenções. Ela está muito viva e suas pulsações se fazem sentir seja nos parques onde as crianças brincam e os adultos conversam, ou na piscina pública onde todos se divertem, seja na quadra poliesportiva onde os homens se encontram para sua diversão noturna, ou na pista de skate onde os garotos se desafiam em manobras radicais. Os cenários assumem papel simbólico e remetem à questões como a vida em sociedade, a convivência familiar, os desejos em confronto com as regras e convenções, o entretenimento, a cultura local. Tudo é universal, mas, no filme, assume características locais, e constitui um organismo vivo e dinâmico que envolve a todos.

Apesar de contar com tantos personagens, histórias entrecruzadas e tantos sentidos, Pecados Íntimos não é um filme confuso ou complicado, pelo contrário, é fácil e agradável de assistir, principalmente por não menosprezar a inteligência do expectador. Kate Winslet e Jackie Earle Halley estão brilhantes e foram indicados ao Oscar. Patrick Wilson (Fantasma da Ópera e Menina Má.com) a cada filme, se revela um grande ator, com um grande futuro pela frente. O filme não coloca seus personagens em situação crítica e não os julga, apenas os mostra e deixa o público livre para tirar suas conclusões. Cada personagem foi explorado na medida certa e com muita sensibilidade, aparecem para deixar seu recado e somem deixando a impressão de missão cumprida. Não há arestas ou a sensação de casos mal resolvidos, e nem nada obscuro. Há muitas metáforas, símbolos, mensagens de duplo sentido que podem ser compreendidas pelo público ou passarem desapercebidas, dependendo das informações de cada um, mas sem incomodar.

Com o desenrolar da história tudo parece se encaminhar para um final onde os conflitos se resolvem. Mas, de repente, parece que nada vai se resolver e que aqueles personagens são seres frágeis e desequilibrados em seu labirinto interior. Quem chega aos extremos e cruza fronteiras não são aqueles que poderiam ser entendidos como normais, mas justamente os apontados como desequilibrados, Ronnie e Larry. O sentimento de decepção pelo comodismo de Sarah e Brad é grande (independente de estarem certos ou errados eles enganam-se a si mesmos antes mesmo de enganarem seus cônjuges), mas é em meio à decepção que se percebe que eles estão mais se relacionando consigo mesmo do que um com o outro.

O filme flui no ritmo da própria vida, onde ganha-se aqui, perde-se ali, mas nada é em vão, pois tudo aponta para novos recomeços, seja do jeito que for. O destino dos personagens fica para a imaginação. O certo é que muitas vezes, ser feliz depende apenas de interpretar pessoas, coisas e acontecimentos de forma diferente. Esse é um exercício que faz parte do próprio crescimento, uma maneira de superar nosso vício por padrões que, muitas vezes, nos cegam para a felicidade que está à espreita o tempo todo.

Título Original: Little Children

Lançamento: 2006 ((EUA)

Site Oficial: http://www.littlechildrenmovie.com

Direção: Todd Field

Roteiro: Tom Perrotta e Todd Field, baseado em livro de Tom Perrotta

Elenco

Kate Winslet (Sarah Pierce); Patrick Wilson (Brad Adamson); Jennifer Connelly (Kathy Adamson); Gregg Edelman (Richard Pierce); Sadie Goldstein (Lucy Pierce); Ty Simpkins (Aaron Adamson); Noah Emmerich (Larry Hedges); Jackie Earle Haley (Ronald James McGorvey); Phyllis Somerville (May McGorvey); Raymond J. Barry (Bullhorn Bob);

Helen Carey (Jean); Jane Adams (Sheila); Trini Alvarado (Theresa); Sarah Buxton (Carla);

Chadwick Brown (Tony Corrente).