Mulher Maravilha

O que achei do filme? O que achar de um filme que termina com “Eu acredito no amor”? O filme é bem atual. Por bem atual digo, está bem de acordo com a moda:

1 - o final, assim como no Rei Artur do Guy Ritchie, e Piratas do Caribe 47 é uma luta entre dois personagens de CGI.

2 - o filme é de super herói (o que está mais na moda?)

3 - mostra uma dicotomia (e a mais didática possível) entre o bem e o mal.

4 - O filme se preocupa em levar uma mensagem ao público

5 - O começo do filme é trabalhado com calma, o desfecho é feito às pressas.

6 - O filme segue vários passos da Jornada do Herói. Conceito descrita no Herói de Mil Faces do Joseph Campbell (vale a pena ler este livro).

Enfim, é mais um filme como tantos outros. E eu adorei! De vez em quando me pergunto o motivo de gostar de filmes que seguem tão a risca scripts tão usuais.

O filme começa com a pequena Diana sendo criada em uma ilha governada por Amazonas, mulheres criadas para serem uma ponte entre os homens. Mas que treinam arduamente para uma possível batalha com Ares, o Deus da Guerra. Gostei do começo. Elas aparecem treinando.Seu lar, seu mundo normal, é um paraíso. Embora só vejamos o seu lado guerreiro o filme diz que as Amazonas foram feitas pelos Deuses para serem uma ponte entre os povos. Como diplomatas elas sabem todas as línguas.

Diana é a única criança da ilha. Ela vive feliz e aprontando. Mas uma conversas entre os adultos mostram um conflito, sua mãe (a rainha) quer que ela seja criada em um ambiente de paz. Sua tia, entretanto, sempre insiste para que ela seja treinada para batalhas. Este é um conflito secundário. Mas a calma com que ele é tratado é o que há de mais qualidade no filme.

Uma maneira mais corrida de realizá-lo (e muitos filmes tipo B o fazem) seria simplesmente mostrar a Diana feliz em sua ilha até chegar ‘Chamado para a aventura’. Entretanto, o conflito entre a mãe e a tia tem uma intensidade em si. Além disso o conflito (treinar Diana para guerra ou para a paz) aos poucos se revela apenas uma faceta de um mistério que se desvela aos poucos. Com o envelhecimento da Diana a tia parece tratar o treinamento para a guerra como um dever, não como uma escolha de vida. Também fica claro que o motivo da mãe evitar este caminho é emocional: a mãe quer preservar a filha de um confronto muito perigoso. Colocando em termos mais mundanos: é como se sua filha fosse convocada para uma guerra em que seu país está perdendo. Você, como mãe, aceitaria este destino ou lutaria para construir uma alternativa?

O ‘Chamado para a aventura’ é a queda de um avião próximo à ilha. Diana vai nadando e resgata o piloto de um destino trágico. Entretanto um exército nazista o persegue. As Amazonas - com seus arcos, flechas e espadas - enfrentam nazistas - com seus fuzis, navios e canhões. É claro que as Amazonas vencem.

É a primeira vez que a Diana se envolve em um combate real, é a primeira vez que ela entra em contato com o poder de uma arma de fogo, é a primeira vez que vê uma companheira morrer e… e é a primeira vez que ela vê um homem.

Uma das coisas que mais gosto em filmes de heróis é o descortinamento de um novo mundo. Amo o Homem Aranha se descobrindo, descobrindo seus poderes. A novidade de um mundo diferente - algo que a maioria de nós vive na adolescência - me encanta. Para a Diana este mundo começa a se abrir na batalha, mas continua se abrindo a cada contato com o piloto Steve Trevor. Da mesma maneira o contato entre ambos expõem Steve a um outro mundo, embora ele o veja com um certo ceticismo. Imagine uma moça dizer para você “Fui esculpida em barro e Zeus me deu a vida.” Como você reagiria? Eu, assistindo este filme, me deliciei com este encontro.

Minha namorada feminista fez uma dura crítica ao filme - com a qual concordo e sobre a qual falarei mais adiante. Mas este começo tem uma mensagem incrível! Vivemos em um mundo muito doido. Para uma boa parte da população a pluralidade e a diversidade é algo incrível, precioso, maravilhoso. No mundo todo, entretanto, muita gente vem cultivando o ódio e a intolerância com a diferença. Esta mensagem, de aceitar a diferença, é colocada sutilmente no começo do filme (de uma maneira que amo) e de uma maneira didática e explícita no fim do filme (ser didático e explícito é ótimo, mas além de tudo foi preguiçosa e apressada).

No começo do filme a Diana vê Steve tomando banho. Ela entra sem cerimônia e o observa nú, avaliar as diferenças entre um homem e uma mulher. Para ele, um homem da década de 40, isto é algo muito esquisito. Para ela é a coisa mais normal do mundo. Mostrar que o recato da mulher é uma construção social fala com a alma do público. Falar racionalmente “Olha, a mulher deve ter os mesmos direitos que o homem, não faz sentido criar suas filhas como mocinhas delicadas à espera de um príncipe encantado que vai lhes salvar o mundo.” até tem sentido. Muita gente vai concordar com a cabeça. Mas ao vivermos nosso dia a dia usualmente não tomamos nossas decisões avaliando cada um de nossos passos racionalmente. Ou seja, mesmo quem esteja disposto a ouvir e seja convencido que as mulheres são pessoas fortes e com desejos (assim como os homens) dificilmente levam esta lição para suas vidas diárias. Entretanto assistir uma mulher poderosa em um filme envolvente, uma mulher que tem tanta potência na ação como na ternura, planta no coração de cada um do público o sentimento diferente em relação às mulheres.

Outro ponto excelente do começo do filme são as piadas. Diana está em um barco com Steve. Ele nem quer se deitar próximo à ela pois acha indecoroso. Daí Diana puxa assunto sobre sexo. É claro que Steve (e a plateia também, né?) assume que ela é ignorante sobre o assunto. Ele se equivoca! Ela leu todos os 13 livros do Hypocrates (e sabe-se lá o que fez com as Amazonas!). Steve “E qual a conclusão?”. Diana, “Você não vai gostar”. Steve, “Por quê?” Diana, “ Ele chega à conclusão de que os homens são essenciais para a reprodução, mas dispensáveis para o prazer.”

O começo do filme termina com Diana e Steve saindo da ilha às escondidas, a Rainha (e mãe da Diana) a proibiu de ir ao encontro de Ares. Este fim também tem um desfecho: a mãe descobre e vai com uma tropa até o barco. Diana espera que tentem segurá-la, mas ao invés a mãe dá um presente (o arco usado por uma guerreira que morreu pelas armas dos homens). É um gesto carinhoso. Este momento guarda uma ironia: o amor e a benção da mãe (através de um presente precioso) apesar da dor de ver a filha desobedecendo e indo a um encontro (contra Ares) cujo desfecho é imprevisível. A força do fim do começo do filme (ou o fim de um plot secundário) só é tão forte devido àquele conflito entre mãe e tia, que desde o iniciozinho do filme vem se mostrando - cada vez menos sutil.

Diana e Trevor montam uma equipe para ir à batalha mais intensa da guerra. Diana presume que lá encontrará Ades - afinal ele é o Deus da Guerra. A beleza desta parte do filme é que ele (neste momento) não é dicotômico. Qual seria a saída mais boba e fácil? Colocar os alemães como os grandes e malvados bandidos contra os quais se exigiriam os maiores esforços para serem derrotados. Mas o filme coloca - na equipe da Diana - pessoas de diferentes origens. Logo fica claro que os ingleses (exército do qual Steve faz parte e por quem Diana acaba sendo partidária) também cometeu suas barbaridades.

Por uma diferença de pontos de vista de como proceder Steve convence Diana a não matar um general (quem ela acreditava que era Ares). Com isto o general pode disparar uma arma que matou todos em um vilarejo. Diana acaba percebendo que ambos os lados da guerra servem a Ares! Isto é muito legal, pois não demoniza os alemães, eles são tão vítimas quanto os ingleses.

O filme vai chegando ao fim e Ares se revela. A pior parte do filme. Ao contrário do que supunha Diana ele não estava na linha de frente, mas nos bastidores. É um político do parlamento inglês e está bem longe… em Londres. Mas o filme já demorou tanto, não é mesmo? Então ele se teletransporta para próximo de Diana e tenta persuadi-la a ficar a seu lado, tenta convencê-la a entrar em sua empreitada: destruir a humanidade e - depois reconstruir o mundo.

Ao entrarem em uma batalha ele coloca sua roupa de CGI (Computer Graphic Imagery) e usa seus poderes de Deus da Guerra. O cara é casca grossa. No filme ele chega a matar Zeus. Mas aí a Diana vê seu Steve morrer (ele se sacrifica para destruir um avião-bomba). E esta é a crítica feminista da minha namorada: ela não tinha a menor chance contra o deus da guerra até ver Steve morrer.. Daí ela pensa, “Ai meu não! Meu macho morreu!” e vai toda decidida matar Ares. O incômodo vem do lugar comum da motivação feminina ser ligada ao homem. Concordo que isto reduz a personagem. Odeio quando a CGI faz o vilão parecer um personagem de videogame. A Diana o derrotar é completamente inverossímil. E a fala dela, “Eu acredito no amor.” na hora em que ela está tentando matar alguém não é muito convincente, né?

O começo do filme é legal porque ele não apenas diz o que as mulheres são ou devem ser, o filme mostra. Já o final do filme diz “Eu acredito no amor.” mas tem a heroína decidida a resolver os problemas da humanidade através de um assassinato (outra sacada da namorada).

Apesar de todas as críticas ao fim do filme tem algo que achei legal. Ares diz, eu sou quem você procura, mas não sou quem você imagina. Não sou o deus da guerra, mas o deus da verdade. As pessoas que Diana mais prezavam mentiram para ela, Ares foi quem lhe disse verdades. É interessante como a narrativa se dá de acordo com o contexto em que você está envolvido. Certamente se Diana tivesse sido criada por Ares ela teria uma visão muito diferente das coisas.

Enfim. Adorei o filme. Gostei mais do que imaginava. Só me incomodei muito com o desfecho apressado. Eu amaria um filme que tratasse cada aspecto, cada drama, cada nuance com o cuidado que tratou o conflito inicial. É isso. Até a próxima resenha.