Com Amor Van Gogh

Com Amor Van Gogh - Loving Vincent

“Como a arte é grande quando ela é simplesmente verdadeira”. Com Amor Van Gogh - no original, “Loving Vincent”- é um longa-metragem polonês, apresentado na 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e lançado nos cinemas brasileiros, comercialmente, em 30 de novembro do ano passado (2017). Com uma produção única - jamais vista na história do cinema - envolvendo a reprodução em tela de várias obras de arte, este filme nos conta detalhes dos últimos momentos daquele que, postumamente, seria considerado por inúmeros especialistas o pai da Arte Moderna: Vincent Willenn Van Gogh.

Enredo

A história acompanha o personagem Armand Roulin, filho do carteiro Joseph Roulin, amigo de Vincent, o qual, após ter recebido ordens de seu pai para entregar uma carta perdida do recém-falecido pintor endereçada ao seu irmão Théo Van Gogh, se vê em meio a uma investigação a respeito da real causa de sua morte. O icônico artista holandês teria disparado no próprio peito no dia 27 de julho de 1890, falecendo dois dias depois, às 01h30min da madrugada. No entanto, conforme o jovem Roulin encontra amigos e pessoas próximas ao artista, começa a questionar o suposto suicídio e passa a suspeitar de um possível assassinato.

Durante a aventura, percorremos paisagens deslumbrantes de sua terra natal, Holanda, e da França, como a venturosa Paris, além de outras cidades pelas quais Vincent passou, incluindo o sanatório em Saint Rémy no qual ficou internado por cerca de um ano. (Nesse período, vale mencionar, surgiram algumas de suas obras mais famosas como “A Noite Estrelada”, pintada através da visão que tinha da janela de seu cômodo). E nessa jornada nos deparamos com personagens de sua época, alguns dos quais acabam se tornando suspeitos aos olhos de Armand Roulin, como o médico, amigo e responsável por abrigar Vincent pouco antes de seus momentos finais Paul Gachet e sua filha Marguerite - suposto interesse romântico do pintor -, Adéline Ravoux, filha do dono da pensão na qual aquele viveu por um tempo, dentre outras figuras.

Embora o roteiro pareça puxar para um bom suspense, ele é, na verdade, bastante simplório. Não leva muito tempo para perceber que a história não é o foco principal do longa. No entanto, nem por isso ele perde o seu encanto. Ao longo de seus 95 minutos, a animação guiada sob a direção de Dorota Kobiela e Hugh Welchman (vencedor do Oscar pelo curta animado Pedro e o Lobo, em 2008) é bastante eficiente em sua proposta. Talvez, para alguns espectadores, a narrativa possa parecer um pouco arrastada devido ao esforço dos diretores em conectá-la de forma coerente com a trajetória e passagem do pintor, contudo, é muito satisfatório seguir os passos do protagonista, ao mesmo tempo em que vamos descobrindo um pouco mais da personalidade, problemas e dramas pessoais na vida de Van Gogh.

História do Pintor

Vincent Willen Van Gogh nasceu em Zundert, Holanda, em 30 de março de 1853. Ele foi o segundo filho de uma família de classe média-alta, sendo precedido pelo irmão - também chamado Vincent - que morrera nos primeiros meses de vida, tornando-se, assim, o mais velho de seis irmãos (que nasceriam mais tarde). Dentre esses, Vincent criou uma relação mais próxima com o mais novo, Theodore (Théo), e Willena (Wil), com os quais se corresponderia até o fim de sua vida.

No filme, essa relação, bem como outros aspectos da vida do artista, é retratada tanto pelos relatos de conhecidos como por meio de flashbacks em preto e branco. Assim, ficamos sabemos, por exemplo, que, desde a sua infância, Van Gogh tinha problemas para se adaptar à sua família. Abstraído, Introspectivo e bastante sério, ele parecia não se encaixar em seu meio. Após tentar, sem sucesso, seguir às inclinações de seu tio e de seu pai como missionário, ele é aconselhado pelo seu querido irmão Théo a pintar. A partir desse momento, o artista que desde criança gostava muito de desenhar e que já tinha um grande contato com a arte devido às atividades de seu pai como dono de uma galeria, inicia a sua tardia e curta, porém, prolífica carreira, sendo apoiado moral e financeiramente por seu irmão mais novo.

Dono de um gênio e personalidade únicos, o holandês, diferentemente da imagem que o leitor leigo possa ter, era um homem extremamente culto e bem informado. Ele frequentou alguns dos mais importantes antros culturais nos quais se deram o desenvolvimento da arte moderna, sendo considerado um de seus precursores. Influenciado e grande admirador de personalidades ilustres como Toulouse-Latrec, Claude Monet, Édouard Manet, ele desenvolveu e aprimorou o seu estilo em pouquíssimo tempo, criando fortes influências para um movimento artístico posterior conhecido como Expressionismo.

Entretanto, o que chama mais a atenção, sem dúvida, é o fato de que, em vida, o trabalho de Van Gogh não teve o reconhecimento que merecia. Dos mais de 860 quadros, muitos do quais produzidos em seus dois últimos anos de existência, antes do trágico evento, apenas um deles foi vendido (a saber, A Vinha Encarnada). Por esta razão, em vários momentos o artista sofreu verdadeira penúria e miséria. Além disso, após o conhecido evento em que Vincent corta a sua orelha durante um surto de loucura, oferecendo-a de “presente” a uma prostituta local, ele foi bastante atormentado e aborrecido pela vizinhança. Aborrecimento esse que culminou em uma petição assinada por várias pessoas e entregue ao prefeito para que ele fosse privado de sua liberdade. Esse episódio foi descrito com bastante indignação por ele mesmo em uma de suas cartas a Théo, referenciada logo no início do filme em um diálogo entre os dois Roulin, sob a luz das estrelas, no distinto amarelo do “Terraço no Café”.

Produção

“Loving Vincent” é um filme único na história da filmografia. Cada um dos mais de 65 mil frames da obra foram pintados à óleo por uma equipe de 125 artistas do mundo todo, selecionados e treinados para reproduzir a técnica singular do artista pós-impressionista. Para que o trabalho culminasse nesse resultado, as cenas foram gravadas por atores, sendo depois transpostas para as telas por meio dos pincéis dos profissionais envolvidos. Para cada segundo de filme, foram necessários 12 quadros feitos inteiramente à mão. No total, foram seis anos de muito esforço e dedicação para que a produção ficasse pronta.

Além dos quadros, os quais, por si só, já contam parte da história do icônico personagem, o filme assume uma caráter ainda mais particular ao basear-se nas cartas trocadas entre Vincent e seu irmão Théo. Ao todo, existem mais de 800 delas, guardadas e preservadas como registro histórico. Por meio deste material, conhecemos valiosos detalhes a respeito de seus pensamentos estéticos e reflexões pessoais sobre sua própria condição de ser humano e de artista.

Quadros

Van Gogh teve uma carreira curta, porém, bastante produtiva. Em apenas oito anos, desde que começou a pintar até o dia de sua morte, ele criou mais de 800 quadros a óleo e mais de duas mil gravuras e desenhos utilizando outras técnicas. Nessa animação polonesa, foram utilizadas várias delas como referência. É um extremo deleite para um apreciador de seu trabalho identificá-las ao decorrer das cenas. Só para citar algumas, A Noite Estrelada (1889), O Semeador (1888), O Café à Noite na Praça Lamartine (1888), A Casa Amarela (1888), Terraço do Café na Praça do Fórum (1888), Campo de Trigo com Corvos (1890), A Vinha Encarnada (1888), Barcos a remo nas Margens do Oise (1890) e Velho Homem Triste (1890) figuram entre as mais famosas.

Muitos dos temas que inspiraram o talentoso artista decorrem de sua apreciação pela natureza e pela vida simples do camponês em seu labor diário. Esta situação representa, para ele, uma metáfora da própria vida. Isso fica bastante explícito pelo conteúdo de várias de suas cartas enviadas ao irmão, nas quais a obra se baseia. Em uma delas, ele diz: “A arte é o homem acrescentado à natureza; à natureza, à realidade, à verdade, mas com um significado, com uma concepção, com um caráter, que o artista ressalta, e aos quais dá expressão, ‘resgata’, distingue, liberta, ilumina”. Desse modo, fica bastante evidente a sua sensibilidade e paixão pela arte.

Conclusão

Mais do que simplesmente imitar ou copiar uma estética e técnica próprias do artista, este filme encerra, em si mesmo, uma verdadeira obra de arte. Não pela sua fidelidade ou exatidão técnicas, nem mesmo pelo roteiro ou atuações excepcionais, mas sim devido ao sentimento e ao amor expressos em cada frame, em cada quadro. O que temos aqui é uma homenagem ao gênio, ao talentoso, ao dedicado e apaixonado Vincent que, em todos os momentos, sempre acreditou na importância de seu trabalho, não para se vangloriar, pois não era isso o que ele buscava, mas, sim, para transmitir aos seus contemporâneos e às gerações seguintes algo que o transcendia, algo muito maior do que ele: O amor à potência de criar. Nas próprias palavras do pai da arte da moderna: “Eu quero tocar as pessoas com a minha arte, quero que digam ele tem sentimento, ele sente agudamente”. Este filme é um tributo à arte, aos valores e à vida. É um filme feito para sentir e se emocionar.

Arthurx
Enviado por Arthurx em 27/04/2018
Código do texto: T6320163
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