Pequena Miss Sunshine

Assisto tranquilamente filmes sanguinários, com monstros ou guerras. Mas assistir os sonhos de uma criança no fio da navalha… ah, isto me perturba profundamente. Oliver (uma pequena criança barrigudinha muito bonita) está entusiasmada vendo televisão, eu seu óculos o relflexo do programa: o momento da coroação da Miss América. Oliver repete os gestos da vencedora. Esta pequena cena de poucos segundos mostra o eixo sobre o qual a família Hoover irá se mover: o desejo de Oliver de ganhar um concurso de Miss - o Little Miss Sunshine, para ser mais preciso.

Assim como em poucos segundos compreendemos quem é a pequena Oliver em poucos segundos vemos cada uma das personagens e compreendemos muito de cada uma delas: o avô Edwin usando droga, o pai Richard fazendo uma super apresentação sobre vitória (para uma platéia quase vazia). O tio, Oliver, se sobreviveu a uma tentativa de suicídio. Está só, com o olhar super triste, momento em que (com grande ironia) aparece o título Little Miss Sunshine (que se traduz como pequena menina raio de sol). Cada uma das personagens é apresentada em seu mundo cotidiano, pessoal, individual. Exceto a Sheryl Hoover (a mãe). Seu mundo ordinário é dirigindo para o hospital onde vai resgatar seu irmão suicida. É a única cujo mundo ordinário e pessoal é orientado para a família, para a coletividade.

A casa é pequena demais para tanta gente. O avô Edwin deveria estar no asilo (se não tivesse sido expulso por usar heroína), o tio Frank deve sempre estar acompanhado (para evitar que se suicide), o pai Richard tem nesta pequena e conturbada sala seu escritório, a mãe Sheryl faz malabarismos financeiros e afetivos para contemplar todos. O filho adolescente (Dwane) tem idade suficiente para se dar conta dos valores e desejos de todos ao seu redor, mas (como típico adolescente) cava espaço para seus próprios valores e desejos. A tensão familiar cresce, a pequena sala como uma panela de pressão, cada uma das pessoas gerando calor. A única que passa imune é a pequena Olive. Em sua pouca idade não nota tantas forças individuais pressionando para diferentes lados.

Eis que no meio da confusão o telefone toca. A vitoriosa do concurso regional de miss infantil foi desclassificada por usar drogas para emagrecer! Ótima notícia! A segundo lugar (Olive) agora é a vencedora! Agora vai poder disputar o concurso estadual de Little Miss Sunshine! Oliver grita de alegria e corre de um lado para o outro! Esta notícia poderosa tem nome. No jarão do Campbel é “O chamado para a aventura”. Na estrutura do roteiro de autores mais convencionais é simplesmente um “ponto de virada”. A partir deste momento o herói sai de seu mundo ordinário e enfrentará uma jornada que transformará a si e a seu mundo. No caso deste filme cada uma das personagens enfrentará a sua jornada. E nem todas gostam da notícia. Aliás, quase ninguém gosta. A mãe Sheryl se dá conta de que praticamente não tem dinheiro (o que se resolverá quando Richard receber o pagamento pelo seu programa de auto-ajuda). Richard por sua vez se dá conta de que o encontro com seu agente é quase no mesmo dia do concurso, o tio não pode ser deixado sozinho. O avô tem que ir, afinal foi ele quem treinou sua neta. E o filho Dwuane é novo demais para ficar sozinho em casa. Ou seja, toda a família vai viajar. Em contraste com a Kombi a sala de jantar até é espaçosa.

Logo no começo da viagem a Kombi quebra, a peça demora mais de uma semana para chegar. Tempo em que Oliver perderia seu concurso e Richard perderia a reunião com seu agente. Ante o problema algo muito especial acontece: toda família se reúne para resolver o problema. A partir de 30 km/h a marcha quebrada deixa de ser um problema. Todos empurram a kombi até ela atingir a velocidade necessária. É a primeira vez que todos voluntariamente reúnem esforços para resolver o problema coletivo. Também é o primeiro momento de descontração como família.

Repito o que disse no terceiro parágrafo: o convite para participar do concurso é o chamado para a aventura. A partir dele o herói sai de seu mundo ordinário para enfrentar uma série de desafios. ‘Pequena Miss Sunshine’ tem mais de um herói: cada personagem da família enfrenta seus próprios demônios. Cada encontro é terrível: Dwane descobre que é Daltônico e, portanto, todo seu esforço para se tornar piloto da força aérea é em vão. O tio Frank vê seu ex-companheiro com outro e ainda por cima descobre que não é mais reconhecido como o maior especialista em Prost. O pai Richard tem seu programa de auto ajuda recusado. Mesmo usando todo o seu esforço e mentalidade auto-ajuda encontra um desafio insuperável: nenhum agente vai promover um programa de auto-ajuda de um autor fracassado. Já o avô Edwin morre em decorrência de seu vício.

Morte que se revela o segundo grande problema a ser enfrentado como família: o concurso é em poucas horas e os trâmites burocráticos do falecimento levarão a tarde toda. Richard faz um discurso evocando a vontade do avô Edwin. O finado certamente gostaria que a neta se aprentasse! Afinal foi ele quem a treinou e toda esta jornada tem que ter um sentido. (opinião que compartilho, certamente o avô pensaria deste modo). Portanto devemos ter a mentalidade de vencedor e superar os obstáculos que se apresentam. (aí já é esquisito, é uma maneira de ser muito destoante da maneira do avô e da família em geral). Encerrando o discurso Richard chama todos para a ação: roubar o cadáver e ir para o concurso a despeito das adversidades! É o segundo momento em que todos, como família agem em prol de um objetivo comum. A solidariedade é muito bonita - o que contrasta com ações duvidosas.

É notório que ao chegarem no concurso as personagens já foram transformadas. Mas a jornada ainda está por encontrar sua maior adversidade: o concurso! O mundo que cerca as crianças é extremamente competitivo. Sua maquiagem e cabelos são perfeitamente feitos, suas aptidões são extraordinárias. Como a nossa criança vai se sair em contraposição a estas mini adultas? O pai Richard (o criador da mentalidade de vencedor) o mesmo que recusou se dar por vencido ante a morte do avô Edwin, que preza a obstinação acima de tudo vai até o camarim de sua filha, chama a mãe Sheryl de lado e pede que desistam do Little Miss Sunshine. Ela vai ser esmagada. O filho Dwane também aparece e faz o mesmo pedido. Ambos apelam: Sheryl é a mãe, é seu dever protegê-la. Se eu estivesse lá como irmão de Oliver estaria desesperado, veria o desfile suando frio… Sheryl, entretanto, pondera que depois de tudo o que fizeram, depois de tanta expectativa, Oliver deve se apresentar.

As apresentações anteriores à Oliver são de dança perfeitamente coreografada, de cando difícil executado perfeitamente, de malabarismos… tudo tão perfeito quanto seria nas apresentações de adultas. Em sua vez Oliver pede o microfone e faz uma dedicatória ao avô, que a treinou. Então começa sua apresentação: começa com uma streap-tease. É verdade que após tirar a roupa fica com tanta roupa (ou mais) quanto as outras meninas. Então faz diversos movimentos evocando a sensualidade para então começar a mais ou menos livremente. Algumas meninas saem do auditório. O criador da apresentação (o avô Edwin) certamente não tinha a intenção de fazer uma crítica através de Oliver. Mas fez. O mais ofensivo da apresentação de Oliver é descortinar o quanto o concurso infantil sensualiza as crianças. A organizadora e o apresentador ficam em pavorosa e mandam o pai Richard tirar oliver do palco. Entretanto ela está fazendo o que veio para fazer, em paz consigo mesma. O pai começa a dançar junto, endossando sua apresentação. Logo toda a família se junta a Oliver dançando. Este é o desfecho. Cada um abandonando sua centrismo em favor da família como um todo. Cada um passou por uma jornada cheia de problemas profundamente pessoais. Nenhum ganho pessoal concreto se apresentou. Mas foram transformados. O filme termina, não há como saber o que aconteceu com cada uma das personagens, mas tenho certeza de que saíram bem melhor do que chegaram, bem mais preparadas para a vida. Fim da resenha.

Análise

Cada personagem tem seu arco muito bem desenvolvido, exceto o avô, que morre no meio do filme. Talvez ele tenha morrido por já ter seu arco completo. Ele já estava em paz consigo mesmo, com quem ele era. Os outros três personagens masculinos (o filho Dwane, o tio Frank e o pai Richard) tiveram seu mundo particular bem desenhado no começo do filme e a caminho do concurso se depararam com seu grande demônio pessoal. Aí se destaca o papel de Richard. De alguma maneira ele é o antagonista do filme. Diversas vezes ele defende uma posição (um jeito de ser, um ethos) antagônica a todas as outras personagens. No começo ele encarna um mundo idílico como tal como as miss encarnam. Um mundo de valores que reluzem como ouro, mas que carecem de substância. Richard tem um discurso bonito: a mentalidade é suficiente para as pessoas alcançarem suas ambições (e serem vitoriosas). Mas ele mesmo é um “fracassado” que não consegue converter sua mentalidade vitoriosa em sucesso. As miss defendem uma imagem perfeita, mas logo no começo vemos uma miss criança que usa drogas para o moderar o apetite! Como todos o pai Richard mudou, mas sua mudança é angular - uma vez que ele é o espelho do mundo das miss.

O arco da Sheryl é bem particular. No início cada personagem é mostrado em seus interesses pessoais. Shreyl é a única que é mostrada indo em direção ao hospital resgatar seu irmão (o tio Frank). Seu mundo convencional é o cuidado com a família. A mãe Sheryl é a única que não se depara com um demônio interno antes de chegar ao concurso. A jornada de Sheryl se confunde com a da própria família. Nisto acredito que o filme captura o espírito do seu tempo. Acredito que esta confusão entre o familiar/coletivo e a figura materna é extremamente parte do mundo em que vivemos.

Temas que o Little Miss Sunshine traz (mesmo que não tratados no texto)

Plot

Um trecho como resumo do filme (a primeira cena de Oliver vendo no reflexo a miss ganhando)

Mult Plot (sub plot)

Coletividade como personagem (família)

Crítica à mentalidade auto ajuda

Paródia de filme de filmes inspiracionais

Família

Road Movie

Zeitgheist: ambiente da família, como a jornada da mãe se confunde com a jornada da família.

Chico Acioli Gollo
Enviado por Chico Acioli Gollo em 20/06/2018
Reeditado em 20/06/2018
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