"O Pequeno Príncipe" na versão de Stanley Donen

O PEQUENO PRÍNCIPE NA VERSÃO DE STANLEY DONEN
Miguel Carqueija

Resenha do filme “O Pequeno Príncipe” (The Littler Prince), produzido e dirigido por Stanley Donen (Inglaterra, EUA, 1974). Adaptação do livro “Le Petit Prince”, de Antoine de Saint-Exupèry. Coreografia: Bob Fosse. Fotografia: Christopher Challis. Roteiro e canções: Alan Jay Lerner. Música: Frederick Loewe.
Elenco:
O Pequeno Príncipe.............................Steven Warner
O Aviador.............................................Richard Kiley
Rei........................................................Joss Ackland
Homem de Negócios............................Clive Revill
Historiador...........................................Victor Spinetti
General................................................Graham Crowden
Rosa.....................................................Donna Mc Kechnie
Cobra...................................................Bob Fosse
Raposa.................................................Gene Wilder

Decididamente, este filme é uma grande decepção! A obra original, a célebre fantasia escrita pelo aviador francês Antoine de Saint-Exupèry (1943, um ano antes de seu desaparecimento nas areias do Saara — o que confere uma qualidade arrepiante ao livro profético) não é apenas uma obra-prima: é um dos livros do século XX, comparável a “1984” de George Orwell, “Arquipélago Gulag” de Soljenítsin, “Grande sertão: veredas” de Guimarães Rosa, “Cidade” de Clifford D. Simak, “Deuses, túmulos e sábios” de C.W. Ceram e outros. Infelizmente teve de ser filmado por um produtor de mão pesada como Stanley Donen, responsável por abacaxis tipo “Sete noivas para sete irmãos” e “Cantando na chuva”.
Talvez seja exagero dizer que ele assassinou a obra de Saint-Exupèry, porque restaram algumas cenas bonitas, mas entre elas não se inclui decididamente a farra no oásis, que parece ir contra a dignidade do personagem, o misterioso menino alienígena. De resto, há inúmeras deturpações. Por exemplo, quando sai do asteroide B-612, aborrecido com sua rosa, o principezinho sem nome (como de resto o aviador também não tem nome) visita uma série de asteroides. No livro são asteroides habitados respectivamente por um rei, um vaidoso, um bêbado, um homem de negócios, um geógrafo e um acendedor de lampião. Este último, o mais interessante (obrigado por um regulamento que não mudava a acender ou apagar o lampião a cada minuto, para acompanhar o rápido girar do astro, pois o dia tinha a duração de um minuto) foi descartado, assim como o bêbado, o geógrafo e o vaidoso. Restaram o rei e o homem de negócios e inventaram um general e um historiador. As cenas com lentes convexas, como se passando dentro dos asteroides, ficaram horríveis. Pior, sem os mesmos diálogos do livro, de alcance filosófico e satírico, as visitas perderam o sentido e são rápidas demais.
Outro problema é o caráter musical da película. Não me parece que a obra original combine com musicais, e os números, servidos por melodias e letras ruins, são chatos e insossos como costumam ser os musicais norte-americanos, apesar deste ser co-produção inglesa.
Outro detalhe horroroso é a humanização de personagens animais (a cobra e a raposa) e até da rosa, com uma mulher dentro da flor.
No fundo todo o sentido espiritual de “Le Petit Prince’ foi praticamente esvaziado. No Brasil a tradução original foi elaborada por Dom Marcos Barbosa, o monge poeta, e é sabido que o personagem vem a ser uma metáfora de Jesus Cristo. De tudo isso, a não ser a sugestão de morte redentora e ressurreição com o desaparecimento do corpo, quase não se pode perceber num filme tão precário.
O ideal seria uma longa-metragem em animação.
O ator-mirim, Steven Warner, só trabalhou nesta obra. Pena, ele fez bem o seu trabalho. Os astros-mirins costumam ter carreira curta, às vezes mesmo de um só trabalho como neste caso.

Rio de Janeiro, 2 de fevereiro de 2019.