À deriva, de Heitor Dhalia

À deriva, de Heitor Dhalia

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Quando se termina de assistir “À Deriva “não se tem vontade de se assistir nenhum outro filme. Nunca mais. “À Deriva” é um filme definitivo. Não deixa espaço para a retina e para a alma. É um desses filmes que nos acompanha como um permanente desafio. Faz pensar o que fazemos (ou não fazemos) de nossas vidas.

O argumento desdobra-se em torno da destruição de uma família. Um escritor francês (Vincent Cassel, ele próprio francês e que fala muito bem o português) resiste a se separar de Clarice (Debora Bloch), uma professora, que tem problemas com a bebida e que se considera infeliz no quadro de uma família absolutamente perfeita. Quantas pessoas enquadradas em enredos de famílias absolutamente perfeitas não se sentem, na intimidade, como deslocados, perdidos e infelizes. Ou ainda, quantos dos protagonistas dos quadros de famílias perfeitas não carregam a culpa pelo fato de que esse quadro de felicidade familiar conta com alguns borrões. É inclusive o tema do sacrifício pelos filhos, que pode ser um mote e uma desculpa para a inação.

Aliás, é esta a autorreferência Debora Bloch faz no making-of. O filme toda se desenrola no olhar de Felipa (Laura Neiva, uma revelação), dividida pelas próprias descobertas, a exemplo da relação do pai com uma americana. Mas Felipa desconhece os motivos que a mãe tem para abandonar o marido, e toda a família. É este o grande mistério do enredo.

Filmado em Búzios, ambientado no início da década de 1980, e dirigido pelo pernambucano Heitor Dhalia (que também dirigiu O Cheiro do Ralo e Nina), “À Deriva” é a mais absoluta prova de que o cinema brasileiro tem qualidade técnica internacional e que aborda temas universais, como os desencontros existenciais, os impulsos e a fragilização dos laços familiares. Sem culpas. A relação entre pais e filhos que o filme retrata é encantadora.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 29/02/2020
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