Tempos Modernos, de Charles Chaplin

Tempos Modernos, de Charles Chaplin

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Ainda que Chaplin preferisse ser lembrado por “Em busca do ouro” (1925, o filme da famosa cena da dança dos pãezinhos) a lembrança mais recorrente de sua obra seria, creio, “Tempos Modernos”, de 1936. Um filme verossímil, humano e absolutamente comovente. O início, com o implacável relógio marcando o tempo, talvez tenha influenciado o primeiro enquadramento de “Pensamentos de Schmidt”, com Jack Nicholson. Os animais indo para o curral, comparados com os trabalhadores entrando na indústria, também logo no início, é anúncio de que o filme não é datado, e que há militância pela frente. O problema da exploração do trabalhador é atemporal. O único foco que muda é o modo de produção. Chaplin foi na veia do modelo fordista, preponderante em algum momento do modo de produção capitalista.

Nesse filme há quatro partes emblemáticas, suficientes para qualificar “Tempos Modernos” como um libelo contra a exploração do trabalho. Chaplin acreditava (como eu acredito) que as máquinas foram pensadas e criadas para nos ajudar, e não para nos escravizar. Refiro-me, sem necessariamente seguir a ordem desse encantador filme, à sequência da greve, à cena da máquina de alimentar, à cena da recusa de Chaplin em deixar a prisão e à cena da esteira na qual os parafusos eram apertados.

Chaplin percebe um pedaço de pano que cai de um caminhão. Ainda que o filme seja em P&B o espectador tem certeza de que o pano que caiu é vermelho. Virando a rua, e sem saber, Chaplin coloca-se à frente de um grupo de grevistas, violentamente tratados pela polícia. O “establishment” norte-americano do início do século XX concordava com certo presidente brasileiro da República Velha, para quem greve era assunto para a polícia. Visto à frente dos grevistas, Chaplin, com toda a ingenuidade que lhe era inerente, foi detido como o líder do movimento. Nem sabia do que se tratava. Há uma concepção de ritmo que conecta Chaplin com o espectador. Essa sequência, cheia de movimentos, é inesquecível.

Em outro momento, enquanto ainda empregado na indústria, Chaplin é forçado a viver o experimento de uma máquina que alimentava os trabalhadores. Essa máquina apresentava uma incomparável vantagem: não havia necessidade do trabalhador parar na hora das refeições. A cena é hilariante. E é, ao mesmo tempo, entristecedora. Uma cena de catarse que o espectador não consegue (e não quer e não pode) esquecer. O limite entre comédia e tragédia, que Chaplin explorava com conhecimento próprio de vida, é um dos pontos mais gratificantes para quem se dispõe a rever (ou a conhecer) a sua obra. Quando um pedaço de milho gira em torno dos dentes de Chaplin, conclui-se que a força daquela máquina diabólica atormentava a toda a gente. Nem mesmo o ganancioso chefe da produção (aparentemente o dono da fábrica) se entusiasmou com o maquinário. A máquina era muito complicada, para desespero de seus inventores e vendedores.

Em outro momento, quando comunicado de que deixaria a prisão, até porque bravamente salvou os guardas de um motim, Chaplin se desesperou. Na prisão tinha onde dormir, lia os jornais, alimentava-se. O filme é de 1936, e naquele momento as memórias da grande depressão de 1929 ainda eram muito nítidas. Muitos norte-americanos se identificaram com o pai (desempregado) da heroína. Desolado, agradeceu à filha, que havia roubado bananas para alimentar a família. A mãe havia morrido. Tocante.

A cena mais lembrada, creio, é justamente a cena na qual Chaplin tenta seguir a velocidade da máquina apertando ininterruptamente os parafusos. O movimento mecânico é repetido tantas vezes que, mesmo fora da linha de montagem Chaplin persiste movimentando-se da mesma forma. É a denúncia da total dissociação que essa forma produtiva acaba marcando entre o empregado e o resultado de sua produção. O que mede a relação entre patrão e empregado é o trabalho, cuja remuneração abaixo do valor efetivamente produtivo é ingrediente do lucro do empresário: a mais-valia, de um modo mais simples.

A lógica de “Tempos Modernos” sugere um modo subversivo de acesso às emoções, na visão dos censores da época. Tinha-se a denúncia de uma realidade que batia nas janelas de todos quantos viam o filme. Não há necessidade de que se alongue nos porquês Chaplin teve de deixar os Estados Unidos. Perseguido pelo macarthismo e pelo comitê de atividades antiamericanas, Chaplin deixou os Estados Unidos em 1952. Foi viver na Suíça, onde faleceu em 1977. Em 1972 recebeu o Oscar pelo conjunto de sua obra. Em “Tempos Modernos” Chaplin protagonizou o Carlitos pela última vez.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 16/03/2020
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