Rebeca, de Alfred Hitchcock

Rebeca, de Alfred Hitchcock

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Pode ser recorrente um distanciamento entre o título do filme (ou de um romance) e o respectivo conteúdo narrativo. Em “O Nome da Rosa”, por exemplo, não há nenhuma moça no enredo, cujo nome seria Rosa. Em “Os três mosqueteiros” Alexandre Dumas conta-nos a história de D”Artagnan, que não era mosqueteiro. Os três mosqueteiros eram Atos, Portos e Aramis. Algo parecido ocorre com Rebecca, de Alfred Hitchcock. Lançado em 1940 Rebecca é um clássico, por todos os motivos que qualificam um clássico: possibilita novas intepretações a cada contato, permanece desafiador, é intrigante, conta com sequências e cenas inesquecíveis, é de conferência obrigatória por todos quantos gostamos do cinema, trata-se de um filme antigo. Mais. É cinema autoral, na medida em que não se dissocia de seu diretor.

Rebecca está em toda parte do filme. É sobre quem todos falam. É sobre Rebeca que a personagem principal, o milionário (protagonizado por Lawrence Olivier), parece pensar o tempo todo. De algum modo, todos devem referência a Rebeca. É sobre quem se fala. Está no núcleo do filme. Porém, Rebecca não aparece em nenhuma cena, nem mesmo em flashback. Está em todo lugar, mas não está em lugar nenhum.

No enredo, o milionário (que fora casado com Rebeca) vive permanente angústia, o que sugere insuperável saudade da esposa perdida. Casou-se novamente, com uma humildade moça, que conheceu na Riviera Francesa, onde ela trabalhava como dama de companhia. Vão viver na mansão do milionário, que por vezes parece irritado. Na medida em que as demais personagens vão se revelando acentua-se a personalidade de Rebeca. A governanta da mansão, por exemplo, parece obcecada com a falecida patroa. A sobrevivência da humilde esposa depende do enfrentamento desse fantasma, que a todos desafia. Ela vai para o enfrentamento, para o bem, e para o mal...

Além de cenários góticos, e o castelo onde a maior parte do filme se passa é o exemplo, o espectador percebe locações ostensivamente pintadas. A imaginação do espectador colabora com o diretor. Fica nítida a relação com o expressionismo alemão, o que creio se confirma com aspectos de traição, loucura, paranoia e medo, que permeiam o enredo.

O desate da narrativa é Alfred Hitchcock em sua expressão mais autêntica, o que qualifica esse filme como um filme autoral, na concepção dos teóricos franceses da década de 1950. Quando li o “the end” na tela perguntei: “por que não percebi?”. Essa pergunta, que é a prova dos nove da qualidade do filme, certamente não tem como causa minha deficiência interpretativa. A causa é a genialidade do diretor.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 17/03/2020
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