A Leste de Bucareste, de Corneliu Porumboiu

A Leste de Bucareste, de Corneliu Porumboiu

Arnaldo Sampaio de Moraes Gody

“A Leste de Bucareste” é um filme de orçamento reduzido, porém de uma vitalidade estética superlativa. Filosófico, profundo, instigante, o diretor romeno Corneliu Porumboiu coloca em dúvida os pontos centrais da filosofia da história. Quem conta a história? Há verdade histórica? A história é um relato isento do passado ou uma narrativa carregada de interesses do próprio presente? Para que serve a história? Há histórias de vencedores e de vencidos?

Vamos ao enredo. A partir de um debate na televisão romena, questiona-se o significado - - para os romenos - - do dia 22 de dezembro de 1989, data oficial da revolução naquele país, no que se refere à queda do regime comunista. Um professor de história (que era alcoólatra), um senhor idoso (que ganhava a vida como Papai Noel nos dias de Natal), um apresentador de televisão e inúmeras intervenções dos telespectadores explicitam inúmeras versões para um mesmo fato. Uma circunstância empírica vivida identicamente por todos quantos lá estavam. No entanto, os relatos não batem, o que sugere, à uma primeira vista, que havia três histórias distintas.

Porumboiu nos indica que no processo histórico há muitas histórias, que se propõem a revelar os mesmos fatos, dependendo de quem as conte. Cético, relativista, Porumboiu nos força a pensar que o fato histórico compreende inúmeros significados, que cada época tem sua história, e que nossas histórias não passam da construção de nossas fantasias ou daqueles em quem acreditamos. Filme essencial para uma tentativa de compreensão das muitas histórias que marcam a história do fim do comunismo real, cujo dimensão, para quem lá estava, é por vezes desconhecida, por parte de quem lá não estava.

Percebe-se uma permanente nostalgia. O passado, parece, sempre foi melhor. Creio que o apego ao passado varia na razão direta do desapego para com o presente. Os mais saudosistas, penso, podem ser os mais insatisfeitos. Amargura e pessimismo estão no pano de fundo desse interessante filme. O cinema persiste como um esperanto visual, no qual se avisa que estamos sempre prestes a sucumbir, e que a sobrevivência é menos presente e dado do que resiliência e construído. “A Leste de Bucareste” é cinema de tese. É um discurso sobre a fragilidade das teorias da história.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 23/03/2020
Código do texto: T6894672
Classificação de conteúdo: seguro