A troca, de Clint Eastwood

A troca, de Clint Eastwood

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Como reagir no desespero do desaparecimento de um filho, quando uma polícia corrupta apresenta uma outra criança, que não é a criança desaparecida? Como reagir quando a polícia insiste na entrega da criança, alegando que a mãe não a reconhece porque é mentalmente debilitada ou desidiosa? Como reagir quando a polícia ameaça a mãe acusando-a de histérica ou relapsa, persistindo que deve aceitar uma criança que não é sua, e que não conhece? São essas algumas das perguntas que Clint Eastwood nos coloca em “A troca”, thriller baseado em fatos reais, ocorridos em Los Angeles, no fim dos anos de 1920.

Clint Eastwood é um ícone da história do cinema que já passou por todas as metamorfoses e transformações. Eastwood foi caubói em programa popular da tv norte-americana no fim dos anos 50. Foi pistoleiro em roteiros de far-west, a exemplo de “Por alguns dólares a mais”, e de “A marca da forca”, ambos da década de 1960. Passou para filmes de ação, como “Perseguidor implacável” e “Magnum 44”; imortalizou a figura de Dirty Harry, nos anos de 1970. Fez comédias, contracenando com um chipanzé, como se vê em “Punhos de aço” e “Doido para brigar...Louco para amar”. Com “Os imperdoáveis”, de 1982, pulou para atrás das câmeras. “A troca”, com Angelina Jolie e John Malkovich, de 2008, é um dos pontos altos de sua carreira como diretor.

É o drama de uma mãe, Miss Collins (Angelina Jolie), que vivia com um filho, em uma ainda pacata Los Angeles. A mãe é telefonista, chefia um grupo de mulheres, e parece destacar-se no trabalho. Era um tempo no qual mulheres passavam a ocupar o espaço público do trabalho, ainda que relegadas a atender telefones, ensinar primeiras letras e auxiliar médicos. O menino desaparece em um dia no qual a mãe fora convocada no trabalho. Buscando a polícia, a mãe encontra resistência e má vontade. Entregam-lhe uma criança que não é sua. É mal tratada, internada compulsoriamente em um hospital psiquiátrico, submetida a barbaridades, que revelam um lado cruel da psiquiatria ambulatorial. Angelina Jolie atua com categoria. Filha de John Voight, criada em uma família das artes dramáticas, Angelina se suplanta no papel de Miss Collins, a telefonista que vivia sozinha com o filho desaparecido.

Um pastor da Igreja Presbiteriana, protagonizado por Malkovich, abre uma cruzada contra a corrupta polícia de Los Angeles. As cenas da igreja foram filmadas na no templo presbiteriano de Pasadena, na California. A opinião pública somou forças com o pastor e a telefonista. Um advogado destemido se dispõe a ajuda-los. Os policiais vivem um pesadelo, ainda que infinitamente mais brando do sofrimento que impõem à telefonista.

Exatamente no meio da narrativa desdobra-se uma outra história, que se funde com as sequências da perda da criança. Essa segunda história, com requintes macabros, explica em parte o drama de Miss Collins. Trata-se da história de um Gordon Stewart Northcott, contada em livro em 2008, mesmo ano em que se filmou “A Troca”. Assustador, o que aumenta a angústia e o desespero de Miss Collins. A telefonista em nenhum momento mostrou-se culpada pelo fato de ter ido trabalhar no dia em que o filho desapareceu, o que realça sua autonomia e integridade.

Tem-se a impressão que Eastwood recriou com exatidão o ambiente de Los Angeles na passagem dos anos 20 para os anos 30. Essa impressão é reforçada nas cenas iniciais e nas cenas finais, rodadas em P&B. Há uma metalinguagem de apelo hollywoodiano, inclusive com apostas em torno de vencedores do Oscar, quando a cerimônia era transmitida pelo rádio. Ouve-se que Clark Gable era concorrente à estátua. Figurinos, adereços e uma fotografia que enfatiza as cores desérticas da costa oeste norte-americana complementam um “mise-en-scene” grandioso. Há passagens que lembram o “Grande Gatsby”, na versão de Coppola de 1974, com Robert Redford e Mia Farrow.

Eastwood atingiu plenamente a proposta do filme, se esta consiste na demonstração da violência policial, também por meios psicológicos. E também atingiu plenamente a proposta do filme, se também pretendia exemplificar uma mãe desesperada que não perdeu referências e autocompaixão, e muito menos afeto e autocomiseração, impondo-se por seu caráter e decisão. E também não fracassou ao fotografar a covardia e a insolência, reunidas na pessoa do nojento e desprezível comissário policial que conduziu as investigações.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 21/04/2020
Reeditado em 21/04/2020
Código do texto: T6924360
Classificação de conteúdo: seguro