“Shadowlands"

“Shadowlands"







Quando confrontado por seus pares nas dependências de Oxford, C.S. Lewis tentava explicar que seu livro infantil, "The Chronicles of Narnia”, era sobre magia, encantamento, e então era bombardeado com perguntas sobre o armário, as roupas que ali estavam, trajes femininos, se isso não era questão freudiana, Clive insistia que o armário era um portal, os amigos riam, qual, o mesmo que conversar com golfinhos. Anos depois ele se depara com um ex-aluno, que sutilmente acusa-o de uma vida cheia de certezas, ganhou a réplica: mas você prefere ignorância, confusão?

Para uns claridade, para outros, breu.

O diretor Richard Samuel Attenborough foi velho conhecido de um público hoje velho, se não desencarnado. Dirigiu “Gandhi", “Chaplin”, e outras cositas.

Dois anos antes Anthony Hopkins ganhara o Oscar de Melhor Ator em "The Silence of the Lambs”. Um tema infame que causou furor na época. Aqui ele faz com o esmero que lhe é característico Clive Staples Lewis, figura gigantesca reduzida a uma fração de sua vida, curiosamente, a fração que lhe trouxe o amor.

Acho que o último trabalho cinematográfico de Debra Winger foi "Rachel Getting Married”, de 2008, papel pequeno num filme vigoroso.

Em “Shadowlands" ela é o par de Hopkins, esclarecendo ao leitor tratar-se de história verídica ocorrida entre os anos 1952 - 1960.

Debra encarna a poetisa laureada Joy Greesham que, grosso modo, bate à porta do cottage dos irmãos Lewis com uma criança a tira colo e havia um carma ali a ser resolvido, isso salta aos olhos no desenrolar da trama dentro e fora do filme.

Será um romance rápido maculado pela doença e pela morte, mas repare que a guarda das crianças (os dois filhos de Joy com o primeiro marido) ficará primeiro com o próprio C.S., depois seu irmão Warren levará adiante a missão.

A peça teatral de William Nicholson reúne objetividade e competência para abranger esse período dosando habilmente a graça e a dor do trajeto.
Winger excelente no papel da americana de 37 anos, casamento desfeito, pé na estrada, ela já se correspondia com Lewis nas vezes de uma fã curiosa, quiçá atrevida, trocando afagos epistolares com um homem de cinquenta e tantos, diga-se de passagem, um ícone.

Attenborough descortina Oxford menos na arquitetura, mais nos ritos, sejam esses corais em datas especificas, as refeições com os alunos, a comemoração de primeiro de maio, quando um sem número de participantes saúda a alvorada com cânticos e bravatas juvenis.

No mundo de 2020 cuja aparência beira o desmoronamento, se deparar com uma tradição de 500 anos - University of Oxford - é no mínimo um sopro de alento. Era ali que Clive fazia suas preces, criava universos, rascunhava suas palestras sobre um Deus amantíssimo, porém mais preocupado com nosso crescimento do que com a nossa felicidade.

Não raro, dizia: a experiência é brutal. O estar vivo, bem entendido.

Em 2 de maio do presente ano, durante workshop no Havaí, o diretor planetário explicou que desde abril muita gente de outros lugares foi convidada a se retirar da Terra, pois ficaram éons ciscando por aqui sem jamais arregaçarem as mangas e empreender o ato de genuína coragem: encarnar.

Clive perdeu a mãe com 9 anos de idade. Ao ver Joy hospitalizada ele murmura ao irmão: você lembra? Foi uma pergunta retórica e nada mais foi dito.

Ambos traziam na bagagem reminiscências de longa andança. Já sabiam que a tagarelice da mente impede o conhecimento alma.

Joy e os filhos vieram injetar o néctar da existência numa dupla de solteirões somando a caminhada do conjunto recém formado num amálgama de amor, compaixão, solidariedade. Tudo devidamente registrado pela arte.
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 15/05/2020
Reeditado em 15/05/2020
Código do texto: T6948195
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