Sem chances de reparação

Baseado no “best-seller” de Ian McEwan e filmado na Inglaterra, o filme Desejo e Reparação se passa em três épocas: em 1935,no dia mais quente do ano na Inglaterra; em 1940, durante a 2.ª Guerra Mundial e em 1999. O elo desses três tempos é a história de Briony Tallis, que cometeu um ato o qual atingiu muitas vidas de forma irremediável.

No começo do filme, vemos Briony, aos 13 anos, na mansão de sua família, radiante porque conseguiu escrever sua primeira peça e louca para encená-la. A jovem atriz que a interpreta transmite, com um olhar, toda a essência da personagem: uma menina talentosa, de muita imaginação, que, testemunha certos acontecimentos do mundo adulto e, por não compreendê-los em sua totalidade, visto que não possui suficiente maturidade, faz julgamentos precipitados, que a levam a cometer o ato do qual se arrependerá por toda a vida.

Seu ato atinge principalmente sua irmã mais velha, Cecilia, interpretada pela bela e graciosa Keira Knightley e Robbie, filho do caseiro da família, por quem Cecilia é apaixonada, sendo correspondida. Robbie teve seus estudos pagos pela família e pretende ser médico e casar com Cecilia. Briony tem certa paixonite por ele e se sente desgostosa ao presenciar o desenvolvimento do relacionamento entre eles. O ato de Briony acaba por separá-los bruscamente, impedindo-os de realizar seus sonhos.

Depois, em 1940, Robbie está lutando contra os nazistas na 2.ª Guerra Mundial e Cecilia está servindo como enfermeira. Das paisagens bucólicas que compõem a primeira parte do filme, somos transportados para uma Inglaterra devastada por batalhas e bombardeios, com soldados mortos e feridos, testemunhando toda a destruição insana que a guerra provoca. A cena em que Robbie vê um grupo de adolescentes mortas por fuzilamento é patética.

Durante a guerra, Briony está estudando enfermagem como forma de se penitenciar pelo erro que cometeu, trabalhando duramente no atendimento aos feridos, vendo gente morrer, realizando serviços pesados, atormentando-se de remorsos e desejando reparar o mal que causou. Do passado, ela só conserva a sua veleidade literária. Às noites, isolada em um canto, tenta escrever um romance baseado na sua história, cujo tema principal é como certos atos impensados podem prejudicar vidas para sempre.

Desejo e Reparação é a mistura de muitas histórias: a de um amor impossível, de vidas acabadas por ações egoístas, do desejo de reparar o mal causado, da dor por saber que nada do que se fizer consertará o estrago e de um país assolado por uma guerra.

Briony sofre principalmente por não poder emendar o mal que provocou. Por todo o filme, ela reflete sobre a felicidade que Robbie e Cecilia não puderam desfrutar. Seu olhar é carregado de dor. Ela se pune e se autoflagela. Haverá dor maior do que pensar nas alegrias que alguém não teve por nossa culpa? Essa pergunta é feita de forma implícita, sem ser mencionada.

Ao final da história, Briony está idosa. Magnificamente interpretada por Vanessa Redgrave, é uma escritora conhecida, que está anunciando seu último romance e revelando que sofre de uma doença que, aos poucos, destruirá sua memória, o que não permitirá que escreva mais. Seu último romance é aquele que tentava escrever nos tempos em que servia como enfermeira na 2.ª Guerra, baseado em sua experiência. Diz Briony na entrevista que se preocupou em contar a verdade sem mascará-la. Seu intento foi ser sincera e, ao mesmo tempo, escrever o que poderia ter sido a vida de Robbie e Cecilia. No romance, ela quis presenteá-los com a felicidade que o seu egoísmo impediu. Embora tenha contado algo verídico, ela pôs um pouco de fantasia, por entender que, se pusesse toda a verdade, não proporcionaria aos seus leitores o menor bem-estar ou esperança. Como escritora, sabe que quem lê romances deseja descansar um pouco da realidade e renovar suas emoções. A verdade completa seria dura e cruel demais.

A Briony idosa é uma mulher infeliz, que sabe que, por mais que se castigue, não mudará o que houve. Podemos não sofrer punições pelo que fazemos de errado, porém, isso não significa que levaremos vidas plenas. Quem consegue viver se tem a voz da consciência a censurá-lo continuamente?