O que acontece na parte final do filme A Dark Song (Vozes da Escuridão)? (SPOILERS)

Revi esse filme (que amo!) e resolvi fazer mais um exercício de escrita, com minha interpretação sobre seu desfecho.

COM SPOILERS.

Quando o filme atinge seu ápice, a magia do ritual já se revelou, mas desandou completamente, afinal, o mago que deveria coordenar tudo morreu, e Sophia, sua cliente, está perdida na casa agora assombrada, com barreiras mágicas que a impedem de ir para qualquer outro lugar.

Consideremos que o ritual terminou com duas características:

1) Ele foi mal executado – teve imprevistos, falhas, erros e efeitos negativos.

2) Ainda assim, ele foi bem sucedido – toda essa má execução não impediu que atingisse seu objetivo.

O RITUAL

Ao delimitar o terreno de uma casa no meio do campo, o ritual misturou o plano material com o plano astral naquela área, abrindo passagem entre eles, condição fundamental para a vinda da entidade que Sophia e o mago queriam contatar. Vamos dizer que eles precisavam "discar" o número de telefone do ser mágico para que ele atendesse. Porém, devido às falhas e principalmente à morte do mago, o lugar ficou totalmente desprotegido e vulnerável a seres trevosos. E foi o que aconteceu: esse telefonema resultou em linhas cruzadas, permitindo que espíritos sombrios tivessem acesso ao local.

Esses seres conseguiram chegar até Sophia e capturá-la por se conectarem com ela através de seus sentimentos de baixa vibração: a culpa (guarde-se essa palavra), a tristeza, o luto, a desilusão, a frustração com seu plano. Arrastaram-na para o porão da casa (lugar mais baixo e sem luz, um tipo de inferno pessoal) e a seguraram numa cadeira. Isso serve como representação de que Sophia, sem mais suporte nenhum e totalmente desesperançada, estava se afundando em seus sentimentos negativos e ficando cada vez mais presa a eles.

O DEDO

A amputação de um dos dedos de Sophia pelos espíritos era só o começo de seu fim: eles estavam destruindo-a e queriam consumi-la, como se eles literalmente fossem comê-la viva. Sophia estava sendo consumida por seus sentimentos mais densos, dominada pela sombra. Mas a perda do dedo acabou servindo a um outro propósito: foi um pagamento. Sophia teve que pagar esse "preço" para conseguir enfim se libertar daquele aprisionamento. Um preço por tudo: os erros do ritual, suas mentiras, sua conduta. Pode-se dizer que até a morte do mago, ainda que acidental, teve peso na consciência dela. Ela não poderia sair ilesa de tudo isso: há situações tão difíceis pelas quais passamos que é como se arrancassem um pedaço da gente, deixando uma lembrança dolorosa. Ela teve que deixar uma parte de si naquele fundo de poço. E além do dedo, a perda também de um pouco de seu sangue, elemento altamente simbólico, mostra o esforço que foi preciso para se desprender, se desvencilhar daquelas mãos que a seguravam, ativando forças para se impulsionar para fora. Ela pagou com um pedacinho de sua vida.

Simboliza também que, depois dessa experiência, ela não seria mais a mesma, estaria diferente, e ficaria para sempre com essa marca.

A SALVAÇÃO

Aqui estão as cenas que considero mais significativas: Sophia corre e alcança as escadas para fora do porão, ou seja, ela está subindo, se elevando, elevando sua vibração, degrau a degrau. Alguns espíritos ainda a perseguem e tentam puxá-la. Quando ela olha para o topo da escada, vemos que o corredor está sendo tomado por sombras escuras, como uma última tentativa de mantê-la presa ali, fechando a passagem – não é assim que certos sentimentos se comportam? Mas Sophia resiste e, durante o sofrido caminho de subida, consegue acessar outro sentimento: o arrependimento. Ela começa a pedir desculpas, num tom que demonstra uma recuperação de lucidez – seus olhos estão muito abertos, olhando firmemente para o alto. É o que ela busca conscientemente: um retorno, uma redenção. Essa intenção desperta nela uma nova vibração. Imediatamente a sombra no fim da escada se retrai e abre espaço para uma luz extremamente branca e brilhante que cresce pelo outro lado. Os espíritos ficam para trás. Sophia chega ao último degrau e caminha serenamente para a sala de onde vem a claridade.

O PEDIDO

Apesar das falhas do ritual, o telefone da entidade tocou ela atendeu – uma espécie de anjo se materializou grandiosamente num dos cômodos da casa. Sophia fica frente a frente com ele e faz o seu pedido. Ela podia pedir qualquer coisa, pois era o objetivo do ritual – a realização de qualquer desejo, que a entidade o faria acontecer. Mas o que ela pede se revela inesperado: não foi vingança, como era sua intenção inicial. Ela pede o poder de perdoar. E esta é uma interpretação que li em outro comentário: ela não perdoou os assassinos do filho, ela perdoou a si mesma, porque estava consumida pela culpa. Ela se considerava responsável pela morte do filho, pois acreditava que poderia ter evitado seu sequestro e consequente assassinato. Poderia, inclusive, se perdoar por tudo o que deu errado até aquele momento.

Com tudo acabado, a casa já não está mais presa numa dimensão sem saída e Sophia pode finalmente partir. O carro ligou e ela segue pela estrada no meio do campo. Ao abandonar aquele lugar, abandona também a antiga Sophia. Enquanto dirige, olha para sua mão enfaixada, onde o ferimento se cicatriza. É o momento de se curar.

Gustavo Carnelós
Enviado por Gustavo Carnelós em 27/10/2022
Código do texto: T7637213
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.