"Druk - Mais uma Rodada" balança entre a apologia e a aversão ao álcool

"Druk - Mais uma Rodada" (Dinamarca, 2020), dirigido pelo dinamarquês Thomas Vinterberg (de "Festa de Família"), é o instigante e emocionante ganhador do Oscar 2021 de Melhor Filme Internacional.

O filme tem o mérito de colocar em questão um dilema moral que pode ser tido como universal quando se fala de bebida alcoólica. Seu uso recreativo (moderado) faz bem ou é melhor bani-lo de vez para que um indivíduo não corra o risco de, a partir desse comportamento inicial supostamente inócuo, acabar caindo no uso abusivo para se tornar um adicto, com todas as consequências das degradações física e psicológica que essa nova condição terrível pode lhe acarretar, muito bem retratada no filme "Farrapo Humano" (EUA, 1945, de Billy Wilder)?

Quatro professores dinamarqueses do ensino médio, amigos entre si, decidem testar uma duvidosa teoria do filósofo e psiquiatra norueguês Finn Skarderud, segundo a qual seres humanos comuns sóbrios teriam um déficit de álcool (apenas 0,05%) no sangue, motivo pelo qual não exerceriam funções do dia a dia, principalmente as profissionais, com sua plena capacidade. Assim, ao beberem bebidas alcoólicas moderadamente para repor esse suposto déficit, até durante suas funções, no caso deles educacionais, poderiam exercê-las com mais eficiência. A bem da verdade, porém, no próprio texto em que comentou a teoria, um parágrafo rasteiro num prefácio que fez para o livro de um italiano que aborda o assunto, o psiquiatra norueguês rejeitou a teoria no parágrafo seguinte (segundo informações, esse psiquiatra, por outros motivos, foi banido do Conselho Norueguês de Supervisão de Saúde e não exerce mais a função médica).

Um dos amigos, o professor Martin (Mads Mikkelsen), passa por muitas dificuldades tanto para ensinar seus alunos como para administrar suas conturbadas relações familiares, motivo pelo qual a experiência sobre a teoria é-lhe sumamente atraente.

Animados com a experiência e instigados por Martin, logo vão partir para a agradável conclusão de que se experimentassem, depois de preenchê-lo, ir além daquele déficit, talvez se tornassem mais eficientes ainda. É claro que, apesar dos benefícios, entre eles o de estreitar a amizade entre eles e estimular os alunos, o resultado de tudo é produzir consequências funestas que vão agravar os problemas em todos os níveis de suas vidas, pessoais, familiares e profissionais.

Paradoxalmente, é ao se extrapolar na experiência, mesmo com o fracasso da tese, que o protagonista vai expor, na apoteótica cena final, a redenção para toda a amargura e o desespero que guarda diante da sua vida fracassada, que nunca ocorreria no seu estado sóbrio. Um conhecido filósofo brasileiro, num programa de TV ("Linhas Cruzadas", na TV Cultura), chegou a classificar a cena final como a que mais se aproximou, na história do cinema, da tese do filósofo Nietzsche sobre o "super-homem", condição a que o homem comum, ao flertar com o abismo, pode chegar ao superar-se a si mesmo a partir de uma força oriunda dele próprio.

Contudo, talvez o motivo de por que o filme se tornou essa história comovente de catarse contra o sofrimento humano, foi o diretor Vinterberg ter passado por uma experiência pessoal arrasadora que ameaçou a realização do filme. Pouco após o início das filmagens, sua filha adolescente, escalada para o papel da filha de Martin, e que lhe escrevera uma carta entusiasmada falando sobre o filme, morreu num trágico acidente de carro. A cena final catártica de Martin, portanto, pode significar o desejo do próprio diretor de superar seu pungente drama pessoal.

Paulo Tadao Nagata
Enviado por Paulo Tadao Nagata em 08/01/2024
Reeditado em 05/02/2024
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