A descoberta dos índios pelos franceses

O episódio é pouco conhecido. Em 1550, marinheiros normandos levaram 50 índios tupinambás da costa do Brasil para a cidade de Rouen, onde eles participariam de uma grande festa em honra do rei francês Henrique II e da rainha Catarina de Médicis. Nas margens do Sena, diante de toda a corte, esses brasileiros nativos representaram seus hábitos e costumes, a alimentação e o comércio do pau-brasil, terminando com a simulação de uma guerra e a vitória contra seus inimigos tabajaras, aliados dos portugueses. Essa história curiosa, que revela muito sobre a intensa relação dos índios brasileiros com a França nos primeiros anos após o descobrimento, é relatada no livro “Uma Festa Brasileira celebrada em Rouen em 1550”, de Ferdinand Denis, que tem nova edição publicada no Brasil.

Não foi aleatoriamente que índios brasileiros foram escolhidos para ser o elemento exótico nessa festa. Praticamente desde o Descobrimento, marinheiros franceses, sobretudo da Normandia e da Bretanha, vinham com frequência às costas do Brasil para comerciar com os nativos o pau-brasil. Era de interesse desses comerciantes, muitos dos quais estabelecidos em Rouen, que esses laços se reforçassem, inclusive com o estabelecimento de um posto permanente na região. Foram, portanto, interesses econômicos que moveram a realização dessa “festa brasileira”, que atraiu a atenção desejada: já no ano seguinte Henrique II mandaria o cartógrafo Guillaume Le Testu e o cosmógrafo André Thevet investigarem a costa brasileira, e em 1555 teria início a tentativa de fixação na Baía da Guanabara, a fracassada França Antártica.

Denis (1798-1890), um renomado brasilianista francês que chegou a ter um livro adotado nas escolas brasileiras do Império, resgatou o relato da “suntuosa entrada” de Rouen, publicado no ano seguinte ao da festa, e mais conhecido por sua gravura “Des Brisilians”, considerada como a primeira imagem iconográfica feita ao natural de índios brasileiros. O escritor usa o texto de 1551 como ponto de partida para uma explanação histórica e antropológica a respeito dos “perfeitos aliados” dos franceses, como os tupinambás do século XVI foram chamados por Jean de Léry. Porém vai mais além; para descrever os costumes indígenas brasileiros do século XVI, bem como sua relação com a França, ele recorre a diversas fontes da época, como o próprio Léry, Le Testu e Thevet, de quem publica um trecho a respeito da teogonia dos índios.

Denis tinha amplo acesso a esses textos, alguns deles muito difíceis na época, por sua função na Biblioteca de Santa Genoveva, em Paris. Além disso, os mais recentes textos publicados no Brasil a respeito do período colonial, chegavam-lhe em mãos por intermédio de seus correspondentes no país, que incluíam Taunay, Varnhagen e até o imperador D. Pedro II. Da mesma maneira, obras então recém-descobertas enriqueceram suas observações sobre o período. Um exemplo são os relatos de Gabriel Soares de Souza, que só foram publicados em conjunto em 1825, graças a Varnhagen, e que Denis consulta.

Por infortúnio, obras que só viriam à tona anos mais tarde teriam evitado momentos em que o autor se equivoca. É o caso da ida de Paraguaçu e Caramuru à França, que Denis nega peremptoriamente, baseando-se nas evidências disponíveis em seu tempo. Seria somente em 1889, com a publicação na íntegra da “História do Brasil” de Frei Vicente do Salvador, que abriu caminho para o encontro das evidências que provam a presença da índia brasileira na Europa.

Essa obra tão relevante para os pesquisadores do período colonial, seja por seu valor de documento antropológico, seja por revelar uma capacidade de propaganda do proto-capitalismo da época que daria inveja aos marketeiros de hoje, só havia sido editada em português uma vez, em 1944, por Basílio de Magalhães. A nova publicação tem como trunfo a participação do professor Eduardo de Almeida Navarro, principal tupinólogo da atualidade, que fez a tradução dos trechos em tupi, ausente na edição anterior, bem como dos poemas brasílicos do padre Cristóvão Valente, que compõem a terceira parte do livro, além de produzir notas e escrever o prefácio. Além disso, é bilíngue, disponibilizando o texto original em francês ao lado da tradução feita por Júnia Guimarães Botelho, e foi enriquecida com notas e uma bem cuidada bibliografia. Traz ainda encartada a reprodução da gravura “Des Brisilians” em seu formato original, e não reduzida como na edição de 1944.

Ficha Técnica:

Título: Uma festa brasileira celebrada em Rouen em 1550

Autor: Ferdinand Denis

Tradutores: Júnia Guimarães Botelho e Eduardo de Almeida Navarro

Editora: Usina de Idéias

Ano: 2007

Edição Bilíngüe francês/português

Número de páginas: 236

Formato: 14 x 21 cm

Preço: R$ 55,00

ISBN: 978-85-99796-03-0