SOB A ÍRIS DO POETA

Depois de ter seus poemas publicados em diversas antologias, o poeta sergipano José Ronaldson Sousa lançou seu primeiro livro: Questão de Íris (A Nacional Gráfica e Editora Ltda., 62 páginas, 1997). A obra reúne 54 poemas que refletem uma visão particular de mundo, num ponto de vista único.

O poeta nasceu em Aracaju, em 19 de novembro de 1967. Depois de morar em vários Estados do país, retornou a Sergipe em 1983. Em 1985 começou a colaborar com o suplemento cultural da Gazeta de Sergipe, Arteliteratura, como poeta e ilustrador. Ganhou vários prêmios, classificando-se em concursos nacionais de relevância, como o II Prêmio Escriba de Poesia (Piracicaba/SP). Atuou também como artista plástico e desenhista. Graduou-se em Letras pela UFS e em 1997 era funcionário do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.

Em seus poemas o poeta fala sobre os mais diferentes aspectos da realidade e sobre o que essa mesma realidade engendrou em sua poesia. São modos de sentir o mundo transfigurados em uma mensagem poética que Ronaldson busca levar aos seus leitores como quem precisa mostrar (e mostra) outras maneiras de ver as coisas, como quem nos arranca do nosso lugar-comum e nos atira em lugares diversos para dali observarmos os mesmos fatos, as mesmas coisas, a mesma natureza, com outros olhos. Segundo Antônio Carlos Viana (1997), em seu prefácio à obra, "ele os escreve (os poemas) por extrema necessidade de nos colocar diante de algo que nos era comum, mas que não sabíamos ver". Ou seja, tudo é uma questão de ponto de vista, uma questão de íris. Mas a íris de Ronaldson capta um pouco mais que uma íris comum, capta as formas e cores de sua “pintura vocabular” do mundo (artista plástico que é) e vai além, chega a captar mais que sua poética é capaz de pintar na sua “cinematografia”. Sua poesia não paralisa o mundo num instantâneo, como uma fotografia ou pintura, nem busca apenas reconstruí-lo, mas busca capturar, sob outro ângulo de visão, sua essência, seu movimento ou, ao menos, denunciá-lo para compreendê-lo em seu âmago, em sua “coronária arquitetura”. Enxerga naquilo que é algo que poderia ser se visto de outra forma. Faz depender do olho o objeto e sua essência, mas entende que aquilo que motiva o poema é bem maior que a poesia contida nele.

Para conter a poesia do mundo, das coisas (mesmo daquelas em que o olhar leigo menos crê haver poesia: insetos, frutas, objetos) trabalha a forma de maneira magistral para um iniciante nas letras. Espreme a poesia cravada nas coisas comuns e maneja a língua de forma similar aos grandes poetas. Não é de se espantar a associação que se estabeleça entre seu fazer poético e o drummondiano ou cabralino, poetas lidos em sua juventude e a quem muito deve de seu “quebrar de expectativas”, de seu lirismo meio às avessas. Vestígios há ainda de um anseio de plenitude compartilhado entre as coisas e as palavras, característica que marca a poética de Ferreira Gullar. É como se em sua poesia o arbitrário da língua fosse menos arbitrário do que parece e, tanto o real como o lingüístico, interagissem num significado maior, mais pleno e dialético em que a palavra "trans-forma" a coisa e a coisa "trans-forma" a palavra.

É um aspecto na obra de Ronaldson já apontado também por Léo Mittaraquis (1997) quando afirma que em sua poética há a fusão entre o "Real e imaginário num processo de dialética/complementação".

Esse seu "modus operandi poético" fica claro quando transcreve, juntamente com outras três citações, dois versos significativos de Ferreira Gullar como epígrafe do livro: "O que eu vejo/ me atravessa". Vale lembrar que esses versos são a primeira das citações que se pretendem epígrafe.

Ronaldson, já o disse Jackson da Silva Lima (1997) trabalha sua poética "valendo-se da palavra, não como um mero signo gráfico mas, antes, como instrumento de arte sonora e visual". Explora sua matéria-prima sob seus vários aspectos. Em jogos semânticos, em aliterações e assonâncias de efeito sonoro e estilístico, em experimentos fonéticos, onomatopaicos e visuais inusitados e ousados.

Seu labor com a língua busca tirar da palavra tudo o que ela pode oferecer para a construção de sua “poética de íris”. O título da obra, a propósito, é bastante sugestivo e permite, além da questão do ângulo de visão do mundo, outros ângulos de visão sobre si mesmo e sobre a obra. Lembra um pouco a proposta oswaldiana de "ver com olhos livres". Lembra ainda a deusa grega Íris, mensageira de Zeus, que abandonara o Olimpo para transmitir aos homens mais beleza e harmonia e não somente as ordens divinas à humanidade. Lembra, sobretudo, a maneira como o autor em seus poemas longos vai aos poucos abrindo as palavras, debulhando seus sentidos mais óbvios para deixar que, em seu sabugo, se perceba aqueles mais inusitados, como o faz em “A arma, a fruta”. Traço em Ronaldson bem apontado por Léo Mittaraquis (1997) quando diz que a "poemagética ronaldsoniana é a manifestação de um olho catador de coisas (espaço/eventos) que, de tão óbvias, tornam-se insuspeitas aos olhos do vulgo".

Maria Lúcia dal Farra (1997) já se dirige ao poeta sergipano "não como a um iniciante, mas a um poeta de estilo próprio e amadurecido". Opinião comungada por Jeová Santana (1997) quando diz que "Ronaldson abole a certidão da idade para demonstrar que já está maduro seu namoro com a linguagem". Essa maturidade é o que permite ao poeta uma atitude segura diante de seus experimentos lingüísticos e uma ousadia consciente para trabalhar temáticas delicadas como o onanismo ao espelho de “O homem nu”. A princípio, o que se poderia rotular de lugar-comum, abordagem vulgar ou banalização temática, numa amostra de antilirismo grosseiro transforma-se por completo em mais uma expectativa quebrada quando aparece um verso de profundidade significativa e rompe o antilírico num lirismo contundente e audaz.

Com um toque único obtido através de combinações de palavras, as mais surpreendentes possíveis, “O homem nu” fala de um “descobrir-se” físico, psíquico, emocional e existencial de um homem de 30 anos numa projeção de sensações em frente ao espelho que termina por fazer com que se permita um prazer próprio e particular, um “seu prazer” solitário.

Há em Ronaldson ainda uma preocupação clara, expressa com o fazer poético, brilhantemente contida na concisão de “Carbono” e com a função da poesia, a função do poeta bem marcada em “O poeta e o mundo”

Enfim, entre insetos, frutas e objetos, reminiscências da juventude e lembranças de amigos e familiares, Ronaldson vai tecendo seus versos, desvendando o mundo pelo reflexo de sua íris, desvelando os segredos das coisas óbvias e revelando o óbvio das coisas mais imprevistas num trabalho sólido e consciente que por si permanecerá.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERGEZ, D. et al. (1997). Métodos críticos para a análise literária. São Paulo: Martins Fontes.

LISPECTOR. C. (1997). Onde estivestes de noite: contos. 8ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S.A.

RONALDSON. (1997). Questão de íris. 1ª ed. Aracaju: A Nacional Gráfica e Editora Ltda.

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