50 POEMAS ESCOLHIDOS PELO AUTOR (Aricy Curvello)

Com Aricy Curvello, a coleção 50 Poemas Escolhidos Pelo Autor, dirigida por Waldir Ribeiro do Val, da Edições Galo Branco(RJ), chega ao volume 25. Bodas de Prata. (- Parabéns! Tim-Tim!)

Inspirada em uma série homônima criada nos anos 50 do século passado por José Simeão Leal para os Cadernos de Cultura do MEC, a idéia é reunir 50 volumes que contemplem o que de melhor a poesia brasileira produziu (e produz ainda), em poesia contemporânea. Alguns dos melhores poetas brasileiros vivos - Aricy entre eles - estão sendo contemplados. Todos os poetas pertencentes à Academia Brasileira de Letras já fazem parte do projeto.

Como qualquer antologia, esta também pode ser questionada, já que toda escolha é sempre passional e obedece critérios nem sempre inteligíveis, mas a proposta em questão parte de um outro viés, e cria um paradigma e um paradoxo: permitir que o próprio autor selecione os poemas inibindo algumas discussões sobre critérios estéticos ou literários do olhar crítico. Afinal, quem pode inquirir as opções pinceladas pelo autor, sendo ele mesmo criador e juiz do próprio trabalho?

Aricy Curvello é um escritor substancioso, com 3 livros de poesia absolutamente imprescindíveis, além de outras publicações em biografia, análise e crítica. De seu primeiro livro Os Dias Selvagens Te Ensinam (1979), por exemplo temos extraído o poema "Só", à página 18:

"eu não construo esse mundo.

o mundo está aí simplesmente.

apenas construo poemas.

porém a realidade não é

palavra.

palavra é imagem de outra imagem.

e a presença do mundo arrebenta

os poemas

e os poetas coitados."

É preciso prestar muita atenção a certas pepitas viscerais, como essa: palavra é imagem de outra imagem. Um achado sonoro, filosófico, figurativo, poético, teleológico e auto-suficiente, dos melhores já arquitetados na língua luso-tupiniquim.

De Vida Fu(n)dida (1982) há um exemplar de seu poder de síntese profunda: “Urbe”, que nesta coleção ficou à página 37:

"não

flores-

cimento"

Na página anterior, temos um poema ambivalente: “Caminhos”:

"e havia um outro ar

sobre o ar, um outro fim de tarde

sobre a tarde que findava, e havia

a música que não se ouvia,

vinda de outras casas.

um morrer e renascer de destino,

Sobre o caminho findo havia outros

sem fim, por onde eu vinha,

mas a brisa dispersou

no sul

ao frio

teus olhos tão longínquos."

Temos aí, pelo ritmo, pela descrição seca, pela amplitude da sensação a descoberto, a fulguração extática do prazer poético, a ser fruído em caudalosa liquefação abstrata. Mas também é um texto “de camadas”, metafísico, com seus matizes diversos que se sobrepõem um ao outro, sem negar a importância do anterior, até uma explosão implícita, através do antagonismo (com o verbo dispersar), de absoluto vigor artístico.

Em 1996 Aricy Curvello lançou Mais Que os Nomes do Nada, obra catártica da qual foram pinçados 15 textos para esta seleção. Desse montante, retiro um como exemplo: “E-U”, à página 57:

"canção de uma só palavra

pássaro de uma só asa

cidade de uma só casa

uma só mão

batendo palmas"

O poeta retira da unidade de um corpo, um fragmento possível, dilacera-o e unta-o com a força persuasiva da licença poética, sutil e regeneradora. E mais: aqui ele revela uma faceta que seu artesanato trabalha com força única: estender, distender e abraçar, reunindo num tomo único a riqueza fabular de seu universos abrangente.

Para fechar essa antologia singular, Aricy Curvello nos cede poemas inéditos do livro Menos Que os Nomes de Tudo, ainda por sair. Dessa porção (mágica), um dos mais instigantes é "Patmos", à pagina 67:

"tudo, um.

em tudo, um porção de tudo e

o sentido variável do mundo.

de uma vária forma de ser das coisas

o que sabemos: nomes das palvras.

(nada a ver com nada)

o mais: fórmulas,

álgebra, mágicas.

o caos:

o incessante reinventar

de todos os significados.

nenhum homem conhece o real

nenhum poema fala todas as vozes.

todas as luzes são permutas de fogo.

para seres tu mesmo deves ser outro.

nós só compreendemos

va-ga-ro-sa-men-te

a velocidade da luz."(sic)

Todos os 50 poemas do autor aqui reunidos têm uma unidade não prevista, se pensarmos que são extratos de quatro obras que estão separadas por mais de um quarto de século. Entretanto, esse é um outro elemento surpreendente na obra toda de Aricy Curvello. Observados cronologicamente, notamos que desde o início sua carpintaria sempre evitou o corte mais simplificado da madeira. Pelo contrário, vemos que o “olhar poético” sempre foi administrado por uma mente em constante processo, e adestrado por mãos incansáveis em manuseio de lápis, borracha, régua e compasso.

Prova inconteste disso é o excelente recorte crítico oferecido por vários leitores de sua obra, que brindam as páginas finais da coletânea com resenhas de profunda análise de seu trabalho nesses anos todos.

Edições Galo Branco – 92 pg. – Vol. 25 – 1ª ed. – 200 –

ISBN 978-85-7749-032-5

* Esta resenha foi graciosamente reproduzida no periódico literário Linguagem Viva(http://www.linguagemviva.com.br), dezembro de 2009, número 232, ano XIX, São Paulo, SP, editora responsável Rosani Abou Adal.