Apologia da História

BOCH, Marc. Apologia da História: ou oficio de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zarah Editor, 2001.

Obra do escritor francês, fundador da Escola dos Annales e da Nova História, fuzilado após a Segunda Guerra Mundial, deixou sua obra inacabada, que ao ser publicada por seu filho, tornou-se indispensável por inaugurar uma nova perspectiva de estudo da história.

Marc Bloch inicia sua obra, retratando insignificância dispensada a história na antiguidade, por essa ser considerada uma ciência dos homens, desvinculada à pesquisa e desprovida de racionalidade. Afirma que a história é reescrita a cada época, e que o historiador tem livre escolha na seleção de seu material de trabalho, partindo de seu embasamento teórico. Desconsidera história como ciência do passado, e afirma: “A história é a ciência dos homens no tempo” (Bloch 2001: 55p).

O tempo facilita a compreensão da história, pois está em continua mudança, sendo o homem protagonista dessa mudança, não sendo preciso à idolatria deste passado, nem considerá-lo como conhecimento pronto e acabado, por que se tal forma singular bastasse, seria desnecessário o estudo da história. Essa crítica foi estabelecida através do método regressivo, no qual o passado e presente são intrínsecos, devendo o historiador parti do presente para o passado, onde o que vivenciamos é subsidio para entendermos o passado, nos permitindo interpretação diferente do mesmo fato histórico, de acordo com a época vivida, sendo impossível o estudo de um fenômeno histórico desvinculado de seu momento. Ambos os tempos, são produzidos por um conjunto de aspectos sociais que interagem reciprocamente, evitando a utilização do presente como meio de compreendê-lo como busca exata da reprodução do passado, mas sim, um meio de senti-lo.

No estudo do fato recente, têm-se maiores possibilidades de compreensão, embora os testemunhos em qualquer tempo sejam indispensáveis, no presente, as pistas surgem visivelmente em seu encalço, como a ganhar vida através da manipulação do pesquisador. Na pesquisa do passado, o historiador limita-se aos relatos dos testemunhos, devido à impossibilidade do historiador testemunhar os fatos estudados, ele já aconteceu, é imutável, seu conhecimento pode ser progressivo e aperfeiçoado.

Durante a pesquisa histórica, o pesquisador deve ser persistente, pois existem dois tipos de documentos ao seu dispor: aqueles explícitos, como por exemplo, os documentários produzidos durante a guerra, que na maioria das vezes são fabricados, e os implícitos que não aparece espontaneamente na reprodução desses documentos no anonimato, feitos tesouros de forma contraditória por certos autores, os quais sugerem análise da documentação, e ao provar sua autenticidade escreve-se sobre ele, inspirado puramente pelo instinto, ou procurando serem descobertos e indagados com afinco, usando se necessário à flexibilidade para mudar o caminho a ser percorrido no decorrer da pesquisa, sem subestimar os diversos fenômenos, que levam à resolução dos problemas históricos manejando as técnicas indispensáveis ao oficio do historiador. Dentre essas técnicas, a necessidade é o questionamento percebido de forma contraditória por certos autores, o que na maioria das vezes levaram investigações às fracas, pois “Os textos ou os documentos arqueológicos, mesmo os aparentes mais claros e mais complacentes, não falam senão quando sabemos interrogá-lo” (Bloch 2001: 79p).

Os historiadores escreviam o que eram convenientes durante a Idade Média, baseava-se no bom senso, onde a história era favorecida pela incerteza da falsificação dos testemunhos. Nesse período não conheciam ainda, a elaboração da análise critica, viviam umas realidades, mas transcrevia outro momento praticamente alheio aos acontecimentos, ditados pela ordem natural dos filósofos e dos teólogos, considerados donos da verdade.

No final do século XVI, ao observa o significado distante entre os acontecimentos e os escritos, alguns historiadores começaram a duvidar dos fatos, prenunciando-se a critica dos documentos como um marco objetivo.

Um século depois, a critica, em meio à escuridão de idéias começou a ser praticada, a principio por alguns intelectuais, pois os compositores das obras históricas, de inicio, não quiseram engajar-se nesse método, desperdiçando o árduo prazer da redescoberta, dando a continuidade à veneração do passado idealizada e revestida com embuste de contradições, nos relatos dos testemunhos que se tornavam coletivos dentre a sociedade por estes favorecidas a qual passa a defendê-la como se fossem verídicos. Eles não omitiam a verdade inicialmente, mas desperdiçavam a erudição com a falta de interpretação. Após lutarem contra esse perigo consciente, renderam-se e começaram dar lugar a pesquisa, iniciando o processo pela busca da individualidade documental, independentemente da negação ou afirmação pressuposta, pois a critica nega o óbvio para explicá-lo; através da percepção do contexto explicito e do implícito no relato dos testemunhos, que após a análise critica, surge a incerteza quanto ao objeto analisado,quanto menor acervo de fontes relacionadas ao objeto de estudo, maior a probabilidade de se encontrar falhas, por isso a necessidade de encontrá-las.

Nesse aspecto frágil, existiu um alerta por parte de Bloch para as falsificações que ocorrem, devido ás convenções, onde o adulterador é levado por razões superiores ao contexto da época, por acreditarem que a perpetuação da mentira fosse eficaz as gerações posteriores, mesmo que para tento tivessem que inventar um passado, ora devido ao sucesso, por exemplo, as reportagens fictícias, embora fossem realmente partículas destas, parte da história, ou pelo distanciamento dos fatos, ocasionados por fatores, como má percepção, o medo, o cansaço e a alienação destes acontecimentos.

A lógica do método critica exposto por Bloch, firmando na argumentação racional, a qual só é possível através da comparação de dados, pois acreditava de determinada época tenha modos de vidas semelhantes. Quando de dois observadores, dotados de faculdades de observação distintos descrevem o mesmo fato com semelhante linguagem, um plagiou o outro, em contrapartida, se dois observadores dentro da mesma realidade concluem relatos completamente divergentes, um dos dois é enganoso; entretanto, não se podem desprezar as possibilidades, existente em cada peça a ser encaixada, como também as particularidades da lingüística. Segui ressaltando, a importância do processo do surgimento da critica histórica, para outras ciências, devido forma complexa que se deu, a qual permitiu ao racionar tomar lugar do mito e do sobrenatural, que embasados de teorias empíricas não eram contestadas, nem verificados. Esse advento propiciou a outra ciência se desnudarem do fictício, de tal forma que o próprio homem, autor e testemunha dessa produção desnudou-se da repetição viciosa, partindo á inovação, que hoje é considerado como conhecimento cientifico, dando a história o direito de elaborar os seus próprios mecanismos rumo a justiça.

O autor define dois problemas no caminho do pesquisador, o da imparcialidade histórica e o da tentativa de reprodução. Comenta existir duas formas de ser imparcial: “O do cientista que prova o experimento e dá por acabada a sua missão e do juiz de direito que após a comparação dá a sentença, devido à precisão dos autos e do experimento cientifico”.

Durante muito tempo, os historiadores comportaram-se como juízes, a condenar bandidos ou coroar heróis, caracterizando seus atos, bons ou ruins para só então explicarem seus atos, o que torna tal explicação insignificante. O autor apela para compreensão de fatos que levaram de antemão as ações desses seres, pois a análise das ações humanas nos leva a um ser especial que é o homem que age e interage como autor e receptor de um espaço.

Ao escrever, o historiador, precisa enquadrar-se na própria nomenclatura da história, favorecida pela matéria de seu estudo, que é fornecida de forma ultrapassada diante da época vivenciada pelo escritor. “A história recebe seu vocabulário, portanto em sua maior parte, da própria matéria de seu estudo. Aceita-o, já cansado e deformado por longo uso; ambíguo, alias, não raro desde a origem, como todo sistema de expressão que não resulta do esforço severamente combinado dos técnicos” ( Bloch 2001:136p ).

Daí então o escritor depara-se com a dificuldade em descrever com linguagem atualizada e deturpar o acontecimento de outra época, ou interpretar com sentido errado de uma palavra que não existi mais ou mudar seu significado ao passar dos anos. Outro obstáculo é a diversidade cultural, onde o dialeto predomina paralela a dificuldade do ser humano em falar de si mesmo, deixando a outros sua missão, que se desvincula carregado de erros anacrônicos de correntes das quedas de civilizações, da hegemonia entre elas, que acarretam, além de um clima, mudanças em sua estrutura, antes única, dentre muitos outros fatores como os de ordem temporal e lingüística.

Contrariando os positivistas, afirma a importância das explicações causais, tanto para as ciências exatas como para a ciência histórica, explanando que nenhum fato, as mesmas explicações causais. Reafirma: O único meio de explicar um fato, é estudando as causas ou fatores que o determinam, só conhecemos tais causas quando buscamo-las.

“Resumindo tudo, as causas, em história como em outros domínios, não são postuladas. São buscadas” (Bloch 2001: 159p).