Homens e Caranguejos


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“Você tem sede de que?
 Você tem fome de que?...”
[Comida- Arnaldo Antunes / Marcelo Fromer / Sérgio Britto]



    Sempre que me arrumo para viajar, dispenso algum espaço para as leituras que farei, já que se perde muitas horas na solidão de aeroportos, agora apinhados com as férias e o corre-corre de final de ano.Nenhum problema de escolha, já que tenho uma lista de espera em minha cabeceira e mesmo sendo uma leitora compulsiva, não dou conta de ler tudo que compro.Estou sempre em débito comigo mesma, espichando o olho para pilha que cresce a cada viagem e a cada ida a livraria.
     Para piorar, tenho mania de re-leituras. Às vezes bate uma saudade de “certo” livro, largo o da vez sem culpa e mergulho para reviver emoções e reencontrar personagens inesquecíveis, aspectos, detalhes ou nuances da leitura que só aquele autor/autora, soube dizer.
     E foi assim que, ao arrumar minha mala pra ir à Natal, senti a necessidade de reler HOMENS E CARANGUEJOS, de Josué de Castro. Confesso de antemão que GEOGRAFIA DA FOME, seu clássico traduzido em mais de 25 idiomas é um dos poucos livros que, quando estudante, não consegui concluir a leitura, pois mexia comigo de tal maneira, me emocionava tanto que interrompi sua leitura tantas vezes quanto  iniciei. Deixei pra lá e fiz as pazes com Josué de Castro muitos anos depois, através da leitura do único romance que escreveu, Homens e Caranguejos - este livro fantástico - que também fala de fome, de todas as fomes do homem, pelos olhos do menino Pedro Paulo, cria da miséria do sertão e do mangue, espaços emblemáticos da fome deste país.
     Pedro Paulo e todos moradores daquela comunidade, a Aldeia Teimosa, convivem com a fome como se fosse um membro machucado do seu corpo ou uma ferida aberta, sangrenta e dolorida. Sim, porque não é fome do fastio, da inapetência, mas da falta, da ausência da possibilidade do alimento.
     Reli e me emocionei, tanto quanto da primeira vez. A riqueza de imagens e personagens criadas por Josué é feito navalha na carne, tapa na cara do mundo. A fome é uma realidade cruel neste país, especialmente nos vários bolsões de miséria de todas as regiões, em cidades pequenas e grandes a despeito do que diga a propaganda oficial, boletins do FOME ZERO, BOLSA FAMÍLIA ou coisas que o valham. Relembro os versos sábios de José Dantas imortalizados por Luiz Gonzaga, o Rei do Baião,“mas doutô uma esmola a um homem qui é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão...”
     A fome mata, principalmente, qualquer lampejo de dignidade. E de tudo que ouço e leio, os números, as cifras para acabar com a fome no mundo me assustam mas, nada me assombra mais do que as cifras do que se
se gasta e se gastou  para salvar os pobres banqueiros da bancarrota. A fome no mundo é problema secular e os líderes, as potências já tem projetos de sobra para resolvê-la, mas a crise vem e vai e “ em uma semana, os mesmos líderes, as mesmas potências, tiraram da cartola 2.2 trilhões de dólares (700 bi nos EUA, 1.5 tri na Europa) para salvar da fome quem já estava de barriga cheia."( Muniz Neto, Bullet.).

Tudo, tudo mesmo, é uma questão de prioridade.


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“Metade da população brasileira não dorme porque tem fome; a outra metade não dorme porque tem medo de quem está com fome” Josué de Castro.

“São 963 milhões de pessoas as que passam fome todos os dias no mundo, um aumento de 40 milhões em relação a 2007, e que transformaram a meta do milênio, fixada pelas Nações Unidas para reduzir a desnutrição e a pobreza extrema à metade para 2015, em uma verdadeira utopia. [http://ultimosegundo.ig.com.br/ **09/12 - 12:22]



Mais sobre o Livro:

Escrito em 1966 e com uma única edição no Brasil lançada em 1967, HOMENS E CARANGUEJOS é o único romance do renomado cientista Josué de Castro, Num texto tocante - de tom memorialístico e autobiográfico -, ele narra a história de vida de um menino pobre que começa a descobrir o mundo e logo se depara com a miséria e a lama do mangue. As brincadeiras de infância são trocadas pelo duro trabalho nos manguezais, nos quais os meninos se tornam caranguejos, num estranho mimetismo que o autor já aponta no prefácio: "Seres humanos que se faziam assim irmãos de leite dos caranguejos. Que aprendiam a engatinhar e andar com caranguejos da lama e que depois de terem bebido na infância este leite de lama, de se terem enlambuzado com o caldo grosso da lama dos mangues e de se terem impregnado do seu cheiro de terra podre e de maresia, nunca mais se podiam libertar desta crosta de lama que os tornava tão parecidos com os caranguejos, seus irmãos, com as duras carapaças também enlambuzadas de lama." Em HOMENS E CARANGUEJOS, ele conta como percebeu o fenômeno da fome, como a descobriu fenômeno social, uma criação do homem e força social. Mais que um drama ficcional, este livro mostra a realidade de uma comunidade imprensada entre a estrutura agrária feudal e estrutura capitalista. Um cenário que até hoje persiste no Nordeste do Brasil, sem integração e que vegeta às margens da sociedade.           
                                 [http://www.americanas.com.br/]