Filhos $ Amantes (TVD) Cap. 3

Capítulo 3

Ela pôs um disco na vitrola. Nua, ainda personagem, não tinha nome. Ouviu a voz do cantor como um sopro de vida.

___ “Chorei, chorei/ Até ficar com dó de mim/ E me tranquei no camarim/ Tomei um calmante, um excitante/ E um bocado de gim/ Amaldiçoei o dia em que te conheci/ Com muitos brilhos me vesti/ Depois me pintei, me pintei, me pintei, me pintei/ E cantei, cantei/ Como é cruel cantar assim/ E num instante de ilusão/ Te vi pelo salão a caçoar de mim/ ... / Cantei, cantei/ Nem sei como eu cantava assim/ Só sei que todo o cabaré/ Me aplaudiu de pé, quando cheguei ao fim/ Mas não bisei/ Voltei correndo ao nosso lar/ Voltei para me certificar/ Que tu nunca mais vais voltar/ ... / Cantei, cantei/ Jamais cantei tão lindo assim/ E os homens lá pedindo bis, bêbados e febris/ A se rasgar por mim...” ( Bastidores )

Ao final da canção sentiu que tinha espírito. Chico Buarque de Holanda conhecia e lhe dera a alma feminina necessária. Diante do espelho estava montada. As fotos de Loreta Fering, Brigitte Beaulieu, Dindru Buck, Léia Bastos, Eula Rocha, Lysa Bombom, Nardac, Nany People, Sissi Girl, Salete Campari, Thiffany Larck, pareciam sorrir para ela. Encaminhou-se para a porta de saída. Ouviu alguém chamá-la: Miss Planet! Não parou. Apenas jogou a cabeça para trás, balouçado os cabelos avermelhados. Entrou no elevador. Já na garagem se perdeu na escuridão...

Miss Planet dirigia a Thermas Vapor Dourado. Sauna gay de luxo onde zods pagavam o prazer do sexo com dinheiro. Buscavam a juventude e a beleza em sigs selecionados a dedo. As proibições, medos, frustrações deviam ficar na sociedade. Naquele éden afrodisíaco tudo precisava desenvolver-se perfeitamente. Segs cuidavam da proteção da casa e dos clientes. Mass revitalizavam corpos fora de forma. Pedicuros, manicuros, cabeleireiros tratavam da estética. Salas com aparelhos de ginástica e de filmes misturavam zods e sigs. Nas confortáveis suítes eles exorcizavam seus demônios...

“Na festa de Carrel, Miss Planet notou um garçom que servia os convidados. Usava somente um tapa sexo, movimentando-se desinibido. Disse-lhe que dirigia negócio com capital pertencente à Carrel. Uma sauna para homens. Pretendia torná-la a mais famosa do país. Deu-lhe um cartão para que a procurasse.

___ Conheces Carrel, meu bem? perguntou, querendo saber mais sobre ele.

___ Não! Sou contratado de uma agência de modelos... Meu nome é Matheus...

___ Esta chácara é dela, Matheus. A festa promete ser a melhor de todas. Vim a outras...”

“Saia pela noite a cata de sigs, dispostos a se submeterem ao seu questionário. Nem sempre o primeiro contato era amistoso. Seguia-os, insinuava-se, até que percebessem sua intenção. Parou o carro ao lado do estranho que caminhava pelo calçadão. Inquiriu-o:

___ Tem tempo?

___ O quê? perguntou ele surpreso.

___ Tem tempo? insistiu Miss Planet, colocando a cabeça para fora.

___ Tô a fim disso não, mermão!

___ Eu ainda não disse nada, sig!

___ Então fala, o quê tu queres?

Percebeu uma leve irritação na fala dele...”

“Não era comum. Porém, surgia para avaliação sigs que não portavam seu célebre cartão. O jovem de estatura mediana, pele alva, parecia nervoso. Ao indagar-lhe o nome sua voz soou tímida. Incomodava-o o aspecto dela?

___ Nome?

___ Alan O. Baroni...

___ Idade?

___ Vinte anos...

___ Natural?

___ São Vicente...

___ Signo?

___ Aquário...

___ És regido pelo planeta Plutão... Documento? perguntou, apontando para a “mala” de Alan.

___ Hum... quinze centímetros...”

“Em certa madrugada ela divisou um rapaz alto, moreno, forte, que entrava no areal. Resolveu segui-lo de longe. Ao aproximar-se dele notou que urinava. Interpelou-o:

___ Olhando o mar, sig?

___ Vim dá uma mijada... Já tô saíno... Do que me chamô?

___ Esquece... Por que essa pressa? Não vou te fazer mal!

Ele riu de sua afirmativa. Confiava nos músculos perante aquela coisa.

___ Mais tá! Tinha de sê mutcho macho!

___ Então és muito macho? perguntou ela , maliciosamente.

___ Tô quereno conversê desse tipo, não...

Tempo esgotado. Não insistir no assunto era estratégia eficaz para retirada.

___ Pega meu cartão, disse Miss Planet, apresentando-se, enfiando-o no bolso de seu casaco. Estou relacionando sigs ( boys ) ... É trabalho que rende dividendos...

___ Nunca fui pedreiro... É dinheiro do bom? quis saber ele cheio de dúvidas.

___ Dinheiro da melhor qualidade, tranqüilizou-o ela, sorrindo...

___ Já passei por maus bocados por ir atrás de falação...

___ Não tenhas medo... é só telefonar... até breve...”

Muitos não eram aceitos. Falta de higiene, dentes cariados, banguelas, respostas chulas, exigiam carteira assinada...

“Apreciou Max à primeira vista. A cara de bugre, os cabelos compridos presos, nu, desfilava no Tia’s Bar. Indagou-lhe:

___ Quando saíste do armário?

___ Acho que já nasci fora dele...”

“Outro que se tornou sig da TVD foi Igor. Os olhos azuis e sinceros convenceram-na a aprová-lo. No final das questões Miss Planet falou:

___ ‘Minha função aqui é o crescimento e a expansão da personalidade e da vida. Crio o sonho, a magia que queremos realizar...’ Há uma regra que não deves esquecer: o freguês tem sempre razão. Nem sempre nos satisfazemos com a barganha que nos oferecem por dinheiro. A pureza não tem preço...”

“Miss Planet parou o carro na praça, em frente da igreja matriz. Espreitava alguém. Estava, constantemente, atenta aos possíveis sigs que transitavam. A presença de um jovem, parado nas escadarias da igreja, interessou-a. Não o vira chegar. Ele também olhava insistente. Passou a analisá-lo. Os olhos expressivos, a pele bem morena, alto, musculoso, convenceu-a aproximar-se. Surpreendeu-o ao sair do carro e ir em sua direção. Ele fez menção de afastar-se. Falou-lhe com voz determinada:

___ Estava te examinando do carro. Tens um belo físico... Aqui está meu cartão, caso queiras me contatar...

Retornou para o carro e partiu. Não tardou e seu celular tocou. Reconheceu a voz do sig de minutos atrás.

___ Pronto...

___ Sou o rapaz a quem deste o cartão... Tu me conheces?

___ Não... Dirijo uma sauna gay e estou escolhendo boys... O ambiente é agradável, de gente fina e rica...

___ Sei... então não me conheces? insistiu ele.

___ Não... Se quiseres aparecer para a entrevista, podemos marcar para quinta-feira...

___ Está bem, está bem! Eu vou...”

“Marino foi levado à presença dela por Max. Respondera às suas perguntas com o temor de estar entrando numa fria:

___ Nome?

___ Marino B. da Silva...

___ Idade?

___ Trinta e três anos...

___ Natural?

___ Rio de Janeiro...

___ Signo?

___ Áries...

___ És regido pelo planeta Marte. Documento? perguntou, apontando para a “mala” de Marino.

___ Preciso responder isso?

___ Eu adoraria, chéri! disse ela sorrindo

___ Bem, uns vinte e dois centímetros...

___ Ótimo... ‘Minha função é de estabelecer e defender o próprio espaço existencial. Reagir às invasões, lutar e enfrentar os inimigos. Dirigir a agressividade e dar a noção de mais fraco e mais forte. Impulso para agir e obter o que se deseja. Impulso sexual’. Lembra: não te tornes teu próprio êmulo. Não reprimas teu impulso sexual. Sorte com os fregueses, trata-os bem... És um negro charmoso...”

“Na festa de aniversário de uma fã, Eulália, Miss foi a atração. Ao misto de dúvida e admiração dos convivas, encantou-se por Rafael e Ivan. Este último foi mais receptivo:

___ Então és Miss Planet! Tenho o teu cartão...

___ E, por quê demoras em me visitar na Thermas Vapor Dourado? Darás um excelente sig...

___ O quê é sig? quis saber Ivan.

___ Saberás depois de responder algumas perguntas... Leva teu amigo arredio, o da bengala!

___ Aquele é o Rafael... Sofreu um acidente... Era conhecido por Firula... Somos do time de futebol do Pedron...

Adorara o jeito, a bengala, o apelido de Rafael: Firula. Na entrevista achou-o um tanto agressivo. Contou-lhe uma história: ‘Tive um servo pessoal. Eu perguntava-lhe: você gosta de caramujos?’ ‘Sim gosto.’ ‘E de ostras?’ ‘Acho que não.’ ‘Considera comer ostras moral e comer caramujo imoral?’ ‘Não, senhora.’ ‘Claro que não. É uma questão de gosto.’ ‘Sim, senhora.’ ‘E gosto não é a mesma coisa que apetite. Portanto não é uma questão de moral.’ ‘Sim, senhora.’ ‘Eu gosto tanto de ostras quanto de caramujos.’ ( diálogo seqüencial do filme Spartacus ).”

“Na recepção, nada convencional, dada pelo amigo Sérgio em sua cobertura no Rio de Janeiro, assistiu a uma performance de Loreta Fering. O dono da casa fazia a sonoplastia e filmava. Sentada em confortável poltrona, Loreta discou alguns números. Ouviu-se a abertura da trilha sonora do filme ‘Sunset Boulevard’. O telefone tocou por três vezes. Loreta disse:

___ Alô! Tô falando com quem?... Eu perguntei primeiro, seu espertinho!... Aqui é da Paramonki Pictures... Eu disse Paramonki Pictures... What? Não tá entendendo!... Não belo! Não é minha pronúncia que é ruim... Estudei em Oxford... é, Oxford... Deve ser o seu aparelho que precisa sê trocado... Mas, com quem estou falando? Ah, com o mordomo!

Loreta, olhando para os convivas, disse entre dentes, provocando risos: raça perigosa!...

___ Não, eu não falei nada... Posso batê um papinho com a Norma Desmond! Como! Aí não mora nenhum Norman Bates!... Ouviu-se The Murder da trilha sonora do filme Psicose.( risos )... Queridinho, eu disse Norma Desmond!

Loreta voltou a conversar com os presentes:

___ Gente, o medonho é surdo! ( risos )...

___ Sei... sei... sei... ( falando ao telefone ), A Norminha cortou os pulsos, ontem? Que babado forte! ( risos )... Tentou suicidar-se? Que chato! E conseguiu? ( risos )...

___ A mona costuma usá desses truques quando cai de bode..., disse tapando o bocal do fone. Desaqüenda! ( risos )... Ela não dá entrevista para revista de fofoca?... Meu lindo, eu sou da Paramonki Pictures e não da revista Tititi... ( risos )... Quem sou eu? Ora, sou Loreta Fering, A Bondosa!... Não, não sou Laura Palmer... falou ao som de um dos temas do filme Twin Peaks... Só uso farinha de mandioca, meu bem! Sou natureba ( risos )... É, o quê?

___ Tô passada! falou, dirigindo-se aos convidados com o fone ao ouvido. O monstro diz que tem mais o quê fazer naquela mansão fantasmagórica! Me ofendeu: disse que sou louca... E pra louca já chega a Norma... ( risos ). Olha aqui, bofe! Eu não sou louca, hein! Eu não sou louca!...Ora, passe muito mal, seu... seu cornudo!

Loreta, revoltada, desligou e falou olhando para a câmera:

___ Odeio falá com gente mal resolvida! Ainda por cima: surdo!... Eu sou Loreta Fering, A Malvada!... Só tava querendo ajudá a outra! ( aplausos )...

Na mesma reunião, conheceu Marcel. Ao saber do prêmio, que o ‘Sig do Ano’ receberia, interessou-se;

___ Que devo fazer, Miss Planet, para ganhar essa bolada?

___ Primeiro ir à Thermas Vapor Dourado e responder a um questionário...

___ Por um milhão de reais, respondo qualquer coisa, garantiu Marcel.

___ Te aguardo em São Paulo, querido!...”

“Miss Planet tinha nas mãos o nome do ‘Sig do Ano’...”

Filhos $ Amantes (TVD)