Filhos $ Amantes (TVD) Cap. 4

Capítulo 4

Moisés acordou suado. Fazia calor. Olhou o relógio sobre a mesinha. Ainda era de madrugada. Sonhara com a mãe. Sonho tinhoso.

“Ela acariciava-o, sensual, despida. Envergonhava-se com a situação. A irmã, mais velha, sentada numa cadeira de balanço, observava-os... Agora, estava na rua. Homem mal encarado vinha ao seu encontro. Próximo, sacou de um punhal, cravando-o em seu peito. O sangue jorrou abundante...”

Um ano desempregado, as contas avolumavam-se. Sem uma profissão definida tinha dificuldade de reintegrar-se ao mercado de trabalho. Os quase dez anos de estudos não o credenciavam a grande aspiração. Mas, quem se importava com um indivíduo como ele? Vivia num país atado à crises de outros países. Era a globalização. Morava numa quitinete onde acomodava seus pertences. Aluguel, condomínio... existia organizadamente endividado. Pintor de paredes ocasional, realizava um bico aqui, outro ali. A escassez de empregos o punha na corda bamba...

“Há duas horas, quando retornava para casa após beber com conhecidos, um carrão preto parara bem ao seu lado. Do interior uma voz invocada perguntou:

___ Tem tempo?

___ O quê? disse ele surpreso.

___ Tem tempo? Insistiu o desconhecido, colocando a cabeça para fora.

Pode ver-lhe os cabelos esverdeados, os olhos, o rosto pintados com exagero, a roupa em tom dourado. Uma figura! Respondeu-lhe, secamente:

___ Tô a fim disso não, mermão!

___ Eu ainda não disse nada, sig!

___ Então fala, o que tu queres?

___ “Quando nasceste? Qual teu signo? disse ela, repetindo a fala de Norma Desmond.

___ Não sei...

___ Que mês?

___ 21 de dezembro, mentiu ele.

___Sagitário. Gosto de sagitarianos, são confiáveis...” Gosto de teus cabelos grisalhos...

___ Não como veado!

___ Pega meu cartão. Se quiseres ligar a cobrar..., falou o fantasiado, ligando o motor do carro.

Moisés pegou e leu o cartão. Estava escrito: Thermas Vapor Dourado, número de celular, Miss Planet. Curioso, quase decepcionado, viu o carro afastar-se. Gritou:

___ Meu signo é Touro!

O outro ergueu o polegar. Moisés, intrigado, releu o cartão. Diacho, o quê seria aquilo? Andou algumas quadras e parou diante de um orelhão. Discou o número. Não tardou e aquela voz preguiçosa atendeu:

___ Miss Planet falando...

___ É o Moisés...

___ Do signo de Touro?...

___Quem és? O quê queres de mim?

___ “Minha função é de estabelecer relacionamentos, buscar harmonia, atrair pessoas, promover bem estar e conforto...” Já ouviste falar em Rosangela Alvarenga?

___ Não! É teu nome verdadeiro?

Do outro lado da linha, Miss Planet riu.

___ O quê foi? Falei besteira?

___ Rosangela Alvarenga é uma astróloga... Estou mais para Norma Desmond, queridinho!...

___ Ah, sei! disse ele sem entender. És homem ou mulher?

___ Sou o que tu quiseres...

___ Não queres voltar e me pegar para conversarmos?

___ Resolveste comer veado? ironizou Miss Planet...

___ Então és homem!

___ Homem és tu, meu bem!

___ Claro que sou! Fiquei grilado... És um barato!

___ Meu tempo acabou... Estou selecionando sigs para trabalhar numa sauna: Thermas Vapor Dourado...

___ De mulheres?

___ Não... de homens requintados, esclareceu ela.

___ Tô fora! exclamou Moisés.

___ É gente de dinheiro, discreta. O ambiente é limpo, seguro e confortável. Se te interessar, liga na quarta-feira... tchau!...”

Moisés levantou-se da cama. Foi ao banheiro. Molhou o rosto, a cabeça. O ventilador estava enguiçado. Diante da janela aberta, viu que o dia não tardava a nascer.Notou a carteira sobre o móvel. Pegou-a. Abriu-a e retirou o cartão. Dinheiro! Que merda seria aquilo? O tal Miss Planet devia ser um desses putos travestido de mulher. Na cidade eles proliferavam. Servir a clientes endinheirados! Coisa de perobo!

Morava sozinho naquela localidade. O filho e a mulher, há dez anos, abandonaram-no. Não os procurou... De empregadinha em empregadinha, saciava seu tesão sem compromisso. Olhou-se no espelho. Aos trinta anos estava em forma. Futebol, exercícios, sol, faziam-no queimar calorias. Nunca fora tocado por outro homem. Não via graça no corpo de um igual. Sempre se dera bem com as mulheres. Desde que fosse sem responsabilidade. Tivera uma profunda paixão: Mariana. O calendário de parede marcava: terça-feira. A entrevista seria na quarta. Porém, por que estava pensando naquilo? Safadeza com mulher, tudo bem! Mas, com barbado!... A prestação da cama que comprara estava atrasada dois meses. O condomínio e o aluguel, três... Prestes a ser despejado pela senhoria ( dona Perpétua ), há dois dias, prometera quitar a dívida.

___ “O senhor sempre foi bom pagador, disse ela.

___ Não tem aparecido serviço, explicou ele.

___ Rapaz tão forte, saudável... pode enfrentar uma estiva no porto...

___ O cais já não é mais o mesmo, dona...

___ Lamento... Dou-lhe um prazo de uma semana para saldar o quê deve... Sou viúva, também tenho meus compromissos... A pensão que recebo é irrisória... Vivo adoentada... os remédios são caros, o senhor compreende...”

O quê dizer diante de tanto argumento? Moisés carecia de uma fêmea rica. Temia mulher poderosa. A própria Perpétua, apesar da choradeira, comentavam ter vários apartamentos alugados. Percebia nos olhares que lhe lançava, reclamando da vida, interesse. A viúva! Ali, bem podia estar a salvação da lavoura. Era feia, sem viço, cheirava a cânfora...

Não se casara com a mãe de seu filho. Moraram juntos alguns anos. Quando sumiram, ficou perdido. Desconfiou que a criança não fosse dele. Lamentou suas ausências. Briga boba fez a companheira tomar a decisão tão drástica. Não os privava de nada. Pegou-o num ato de traição: beijos, numa sala de cinema, com uma amiga. Aventura. Determinou: ou saio eu ou sai você! Turrona, orgulhosa, não admitia ser passada para trás. Não a amava. Essa era a verdade. Esse grande sentimento dedicou apenas a Mariana...

“Cedo, perdeu o pai. Foi um alívio quando a mãe também se foi. A irmã, pouco visitava. Se a procurava, ela vomitava enxurrada de acusações.

___ Não te perdôo, não teres ido ao enterro de mamãe!

___Deixa disso! Reclamas que não apareço. Quando isso acontece, ficas te lamuriando!

___ Por que não gostavas de mamãe?

___ Eu gostava dela! Acho que não tanto quanto tu...

Por isso diminuíra as visitas. O afastamento da mãe começou na adolescência. Tinha uns quinze anos. Ela pegou-o se masturbando.

___ Seu porco, indecente! Vais ficar louco, disse segurando suas roupas.

___ Mãe, dá minha roupa! Isso é normal em rapaz da minha idade!

___Cala a boca! Logo, logo estarás emprenhando essas tontas... Limpa essa repugnância toda...

Noutra ocasião, flagrou-o chorando. Quis saber o motivo:

___ Por que estás chorando?

___ Nada, não!

___ Pareces um maricas!

___ Deixa eu ficar em paz! Se ficas satisfeita, sou um maricas...

Aprendera a concordar com ela. Assim, encerrava os assuntos. Ao alistar-se no serviço militar apareceu fardado diante da mãe. Ela não deixou por menos:

___ Pareces um espantalho de verde!

___ Por que nunca me elogias?

Ela não respondeu. Ficava em silêncio, voltava aos afazeres, indiferente. Ao saber da existência de Mariana, vociferou:

___ Não vás engravidar essa vagabunda!

___ Ela não é vagabunda, mãe!

___ Não! Vi a fotografia dela, quase pelada, escondida no teu quarto...

___ Não gosto que mexas nas minhas coisas! Sou um homem!

___ És um idiota como foi teu pai. Todos os homens deviam ser castrados...

___ Tens razão! Sou um idiota como meu pai...

Ele estava na casa de Mariana quando a mãe morreu. Ficou por lá uma semana sem dar notícia. Dissera à irmã que ia viajar. Um mal súbito, a hospitalização e o fim. Ao retornar, ela estava sepultada. Não chorou. A mãe não gostava que ele chorasse. Constantemente, sonhava com ela. Não o abandonava. Precisava de velas, oração? Não, nunca a vira ir à igreja. Cuidava da casa com esmero, dos filhos à distância. Sem vaidades, fechou-se em si, ocultando segredo inconfessável...”

A segunda vez que viu Miss Planet ( ela estava com os cabelos azuis ) teve vontade de rir. Sua voz lânguida afirmou:

___ Deus gosta dos pobres, pois precisam mais Dele do que os ricos. Que esta casa te traga sorte. Há regras que devem ser obedecidas. Uma delas é: o freguês tem sempre razão. Não me importa o quanto vais faturar, mas cuidado, o demônio tem olho gordo!...

___ Nome?

___ Moisés P. Duarte...

___ Idade?

___ Trinta anos...

___ Signo?

___ Já sabes, Touro...

___ És regido pelo planeta Vênus... Documento? perguntou, apontando para a “mala” de Moisés.

___ Hum... apenas dezessete centímetros em ponto de bala...

___ Natural?

___ De Santos

Moisés ficara intrigado com o nome Norma Desmond. Perguntou:

___ Quem é Norma Desmond?

___ Ah! É uma personagem vivida no cinema por Glória Swanson em “Sunset Boulevard” ( Crepúsculo dos Deuses ) de Billy Wilde...

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